Têm sido reiteradas, nos últimos meses, as ameaças do Senhor Presidente da República de lançar a "bomba atómica"... entenda-se, de dissolver a Assembleia da República ou demitir o XXIII Governo Constitucional, sendo ulteriormente convocadas eleições. Porém, essa ameaça agora encontra-se suspensa pelo anúncio de uma reunião do Conselho de Estado, que analisará a situação económica, social e política do país, no próximo dia 21 de julho, no Palácio de Belém. O Conselho de Estado, órgão político de consulta do Presidente da República, tem importantes competências, nomeadamente as de se pronunciar sobre a aludida dissolução da Assembleia ou sobre a demissão do Governo pelo Presidente da República, na situação prevista no n.º 2 do artigo 195.º, da Constituição da República: "(...) quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas"..A composição deste órgão, também definida na Constituição, integra pessoas que são membros por inerência dos cargos que desempenham ou desempenharam e por dez cidadãos, dos quais 5 são designados pelo Presidente da República e 5 são eleitos pela Assembleia da República. Da aplicação do disposto no artigo 142.º da Lei Fundamental resulta a atual composição do Conselho de Estado: 15 homens e 3 mulheres. Bem se compreende este resultado: os Presidentes da República atual e anteriores são homens (nunca tivemos uma Presidente da Republica Portuguesa). Idem, para o Presidente do Tribunal Constitucional e para os Presidentes dos Governos Regionais. Idem para o Primeiro-ministro (apenas tivemos uma Primeira Ministra por cerca de cem dias, nas Repúblicas Portuguesas, desde 1910) e para o Presidente da Assembleia da República. A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral é a primeira mulher a exercer o cargo e as outras duas Conselheiras (Maria Leonor Beleza e Lídia Jorge) foram designadas pelo atual Presidente da República. A Assembleia da República elegeu 5 homens, um dos quais antigo presidente do Governo Regional dos Açores (Carlos César) e outro antigo candidato à Presidência da República (António Sampaio da Nóvoa), numa perspetiva algo dinástica, mas será porventura necessário dar espaço a ideias monárquicas, num regime democrático que se quer tolerante..Não terá o legislador constituinte e de revisão constitucional previsto que, atendendo à História da República Portuguesa, a composição do Conselho seria, no que concerne aos membros que o são por inerência dos cargos que desempenham ou desempenharam, um conselho composto por homens talvez bons, mas homens? Ou, em vez de prever a discriminação indireta injusta a que assistimos (as mulheres não integram o Conselho não diretamente por o serem, mas porque dificilmente acedem aos cargos que lhes permitiriam integrá-lo) considerou, como o tem feito em relação à composição do Tribunal Constitucional, que o sexo/género não são variáveis decisivas para efeitos de seleção nestes casos? Num Estado de Direito Democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, a má-fé do legislador deve ser excluída. Se se considerar, no entanto, que o resultado prático alcançado não ofende o dever fundamental do Estado de assegurar a paridade entre homens e mulheres a todos os níveis, concluiremos uma vez mais que, como são os homens que exercem, em regra, os altos cargos da República, as mulheres não o fazem porque são mais estúpidas ou pior preparadas. Criaturas de "cabelos longos e ideias curtas", como disse Proudhon, não podem auxiliar o Presidente da República a decidir magnas questões de Estado. Os seus atrofiados cérebros, ocupados com assuntos menores como o parecerem belas, recatadas e do lar, ou qualquer outra fantasia masculina, não atingem a complexa sumidade dos affaires d"État. Como se ainda levassem espartilho, mas agora na cabeça, digamos..Se analisarmos os membros eleitos pela Assembleia da República, que foi alertada aquando da última eleição de membros para o Conselho da necessidade de respeitar o princípio da paridade e não o fez, concluiremos ser necessário alterar rapidamente a legislação que regula o processo de substituição dos membros do Conselho pela Assembleia da República, incluindo uma cláusula expressa de paridade na elaboração da lista em que esses membros sejam propostos a eleição, em particular o art. 11.º da Lei n.º 31/84, de 6 de setembro, que aprova o Estatuto dos Membros deste Conselho. Já todos sabemos que animais humanos do sexo masculino tendem a designar outros animais humanos do sexo masculino. As mulheres, continente obscuro da Humanidade, continuam a ser implicitamente consideradas frágeis, emocionais, incompetentes aos olhos de quem detém o poder nos seus vários níveis, ainda que, segundo princípios meritocráticos não o sejam, de todo. Apesar de não serem ou de não se comportarem, em regra, como machos Alfa..As mulheres têm-se revelado, ao longo da História da Humanidade, detentoras de importantes soft skills, em particular na área da negociação de casos e casinhos familiares. Para além de servirem de exemplo a Oliveira Salazar, quando este dizia que gerir uma Nação é como gerir de forma sensata e eficiente uma casa, também sabem utilizar a Bimby. Quem sabe se, estando em maior número no Conselho de Estado, não poderiam convencer o Senhor Presidente da República a lançar uma Bimby em vez da bomba atómica ... e experimentarem-na na próxima reunião do Conselho, para fazerem uma saborosa Cataplana de Peixe, seguindo a receita que António Costa, Primeiro-ministro, revelou ao País no "Programa da Cristina". Talvez pudesse ser útil também ao habitante do Palácio de Belém, elaborando menus e dando conselhos (a Bimby faz tudo isso, graças à Inteligência Artificial,sabiam?) mais consentâneos com o bem-estar interior de Sua Excelência o Presidente da República que, mais bem disposto, seria capaz de ouvir melhor e mais atentamente os seus venerandos Conselheiros e tomar as decisões mais acertadas.. Teresa Pizarro Beleza é professora Catedrática Jubilada da Nova School of Law. Helena Pereira de Melo é professora associada com agregação da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa