Quando as personagens da TV têm mais do que uma vida
De Curral de Moinas para todo o Portugal, de uma rubrica na Praça da Alegria às salas de cinema por todo o País. É este o percurso de Quim Roscas e Zeca Estacionâncio, as duas personagens interpretadas por João Paulo Rodrigues e Pedro Alves que estão neste momento a fazer sucesso no cinema. Em três semanas de exibição, 7 Pecados Rurais, realizado por Nicolau Breyner, já superou a marca dos 200 mil espectadores e é o 10.º filme mais visto do ano em Portugal, superando títulos como Homem de Ferro 3 ou O Mordomo.
Também do outro lado do Atlântico, o mordomo homossexual Crô, personagem de Marcelo Serrado na novela Fina Estampa, que chegou ao fim na antena da SIC em março deste ano, saltou da televisão para o grande ecrã. Mas, afinal, o que está por trás desta "viagem" que leva personagens televisivas de sucesso a serem transportadas para o cinema? Por que razão é que, ao contrário do que acontece em países como os EUA, por cá ainda são poucos os exemplos?
João Paulo Rodrigues defende que é o público quem faz a diferença na hora de (re)ver as personagens nascidas em televisão. "O Curral de Moinas, pode dizer-se, já faz parte da cultura portuguesa. Sabíamos que ia ser uma boa aposta recuperar este universo. Toda a gente que nos abordava na rua pedia o regresso do Telerural e por isso quisemos trazer as personagens para o filme", atira o ator. O desejo da dupla concretizou-se e os números de bilheteira estão a provar de que estavam certos. "Não tenho dúvidas de que as pessoas foram ao cinema por conhecer as personagens na televisão. Os primeiros a ir ver 7 Pecados Rurais foram aqueles que queriam voltar a ver o Quim, o Zeca e o emblemático Curral de Moinas", defende o ator e o humorista.
Admirador da dupla de Telerural, Nicolau Breyner não hesitou na hora de aprovar as aventuras cómicas de Quim e Zeca. "Eu já seguia o trabalho deles há muito tempo, sabia que havia dois miúdos na RTP que faziam um bom trabalho. Eles têm muito talento e para fazer este filme era fundamental ter bons atores. A comédia não disfarça", afirma o ator da TVI que está ainda a desfrutar o sucesso alcançado por 7 Pecados Rurais. "O filme tem tido uma aceitação tremenda e é sempre muito agradável ver que as pessoas gostam. Na minha opinião, o nosso filme faz lembrar os filmes a preto e branco, diria que é um regresso à comédia portuguesa. Recriámos um típico arraial português e, felizmente, resultou. O filme é mais inteligente do que parece, tem uma série de estereótipos".
Com o sucesso do filme português, a pergunta impõe-se: Poderá Curral de Moinas regressar à televisão? "Eu acredito que sim, que isso possa vir a acontecer. Neste momento, não sei. É complicado... porque o Telerural é um produto da RTP, e eu tenho ligação à TVI... e devo continuar a tê-la", avança à Notícias TV João Paulo Rodrigues que, aos sábados à tarde conduz Não Há Bela sem João, na TVI. Nicolau Breyner acredita também num possível investimento numa nova temporada de Telerural. "Um filme que alcança estes números é claro que pode impulsionar a um regresso da série à televisão".
Falta de apoios explica ausência de personagens da TV nos cinemas
O filme Uma Aventura na Casa Assombrada, baseado na obra homónima das escritoras Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, que assinaram também a popular série juvenil Uma Aventura, transmitida a partir do ano 2000 na SIC, foi a primeira produção a saltar do pequeno para o grande ecrã. A estreia aconteceu a 3 de dezembro de 2009 e nessa semana, o filme atingiu a marca de 40 mil espectadores.
Desde então, poucas são as produções televisivas a inspirar obras cinematográficas. Em 2012, a série juvenil da TVI Morangos com Açúcar deu o salto para o cinema e alcançou a meta dos 36 mil espectadores no dia de estreia, a 23 de agosto. "O filme sagrou-se como o quatro filme português mais visto de sempre, até hoje. Os números refletem o interesse do público em seguir as personagens da novela e a marca Morangos Com Açúcar", diz Hugo de Sousa diretor de projeto da novela juvenil de Queluz de Baixo.
Mas o que motiva a falta de apostas deste género? Pedro Lopes, autor de várias novelas de sucesso da SIC como Sol de Inverno ou Laços de Sangue é perentório: "A realidade portuguesa é muito reduzida quando comparada com a norte-americana, por exemplo. E a indústria cinematográfica também. Por cá fazem-se cerca de dez filmes por ano, executados com apoio estatal. E, normalmente, esse apoio do Estado só é dado ao cinema de autor e não ao comercial, como seria o de uma personagem que sai de uma novela para o cinema", justifica o argumentista. Nicolau Breyner sabe bem o que é produzir cinema sem apoios. "O 7 Pecados Rurais foi inteiramente produzido com capitais privados. O que é, realmente, importante é que falemos de televisão ou cinema é preciso não esquecer que tudo é business [negócio]! Nós que vivemos neste meio artístico temos de perceber que somos todos parentes. Devemos acabar com esta guerra do cinema de autor e do cinema comercial. Há cinema, ponto final", argumenta o ator e realizador.
Já António Barreira, autor de novelas da TVI como Meu Amor ou Destinos Cruzados, relembra os elevados custos que envolve uma produção cinematográfica. "Fazer cinema é muito mais caro do que fazer televisão e novelas. E ainda para mais na situação de crise económica que vivemos atualmente no nosso país, que se traduz também na quebra de receitas publicitárias das estações de televisão...", aponta.
Os spin offs em televisão "não vão tornar-se" uma tendência
Para lá de um lugar no grande ecrã, há também personagens de novelas que, devido ao sucesso e popularidade que alcançam junto do público, tornam-se produtos independentes dando origem a spin offs. Esta é uma realidade bastante usual nos Estados Unidos e por cá os exemplos são escassos.
Em 2011, Gi e Armando Coutinho, personagens de Custódia Gallego e João Ricardo, conquistaram um lugar no coração dos espectadores da SIC. Na época, a estação de Carnaxide ponderou avançar com uma série centrada nas duas peculiares personagens. "A SIC e a produtora (SP Televisão) têm analisado a possibilidade de este núcleo vir a ter uma série só deles", relatava na época uma fonte conhecedora do processo ao DN. No entanto, a ideia não avançou. Algo que ainda hoje Custódia Gallego lamenta. "A SIC nunca falou comigo e com o João. Ouvimos falar disso pela imprensa. Acho que se perdeu uma boa ideia. Toda a gente teria ganho... A SIC gastaria menos dinheiro, corria-se um risco menor, porque as personagens tinham muito sucesso. Seriam mais as garantias de sucesso do que de insucesso", desabafa à Notícias TV.
E se a vontade da SIC não se concretizou, a concorrente TVI acabou mesmo por gravar um spin off, desta feita, da novela Doce Tentação, que chegou ao fim em março último. O projeto, intitulado Giras e Falidas, partiu de uma ideia das quatro protagonistas da sitcom, que faziam parte do núcleo cómico da novela, Jéssica Athayde, Carla Andrino, Sofia Nicholson e Laura Galvão. Apesar de as gravações da história terem terminado em agosto do ano passado, até ao momento, a estação de Queluz de Baixo ainda não a exibiu. "É um produto que temos em stock mas isso é normal. Gravámos cedo porque é uma sitcom baseada no núcleo de uma novela, era preciso aproveitar décors e a escrita. Mas é uma sitcom que precisa de respirar porque é um produto independente", justificou-se recentemente Luís Cunha Velho, diretor-geral da TVI, à Notícias TV.
Para António Barreira, um spin off é algo que prestigia uma produção. "É algo que traz sempre notoriedade para as produções. Só há spin off se as personagens forem um grande sucesso. É uma espécie de interajuda entre as novelas e o spin off, que o público que já seguia a personagem vai querer acompanhar", refere, sem esquecer, no entanto, de enaltecer o bom senso. "É algo que tem de ser feito com conta, peso e medida. Tudo o que é de mais também se torna exagero. E deixa o público cansado". Custódia Gallego concorda. "Pode ser um pau de dois bicos. O público sempre que não é surpreendido perde o interesse".
Saturação é também a explicação que Nicolau Breyner aponta para a parca aposta em spin offs na televisão portuguesa. "Se fizermos disso um hábito pode tornar-se uma saturação. Poucas personagens conseguem, efetivamente, fazer sucesso. Há casos de personalidades da televisão que agradam as pessoas e podem fazer sucesso, mas há outras que não". Hugo de Sousa, diretor de projeto e realizador de várias novelas, como Mundo ao Contrário ou Meu Amor, defende que quanto mais inovação, melhor. "Se a TVI fizesse um ou dois spin offs por ano estaria a errar. Era estar a viver do que se fez, e não a crias algo novo. Significaria que não estaríamos a inovar em ficção". Por isso, o responsável acredita que este tipo de projetos não são uma tendência. "A história mundial do cinema e da televisão mostra que os spin offs em televisão nunca foram nem vão ser uma tendência. O spin off é um happening que acontece pontualmente. Não faz sentido fazer disto uma tendência. Seria banalizar".
Liliane Marise desejada em spin off ou filme
Apesar de não acreditarem nesta tendência, os profissionais ouvidos pela Notícias TV acreditam que uma das "exceções" deveria ser Liliane Marise, a cantora de música ligeira portuguesa da novela Destinos Cruzados, vivida por Maria João Bastos. "A Liliane Marise é um êxito da televisão portuguesa. Um dia ainda vamos vê-la no cinema", acredita Nicolau Breyner. "A personagem tem força para protagonizar uma série ou um filme. Mas tenho dúvidas de que isso vá acontecer. A TVI estaria a avançar com dois spin offs, inspirados em duas novelas próximas (Destinos Cruzados e Doce Tentação)", defende Hugo de Sousa.
António Barreira, o responsável pelo criador da personagem explica porque é que Liliane Marise não deu origem a um spin off. "Houve uma série de ideias com a Liliane Marise, mas optamos por fazer dois concertos. Ela era uma cantora pimba, do povo e esta era a melhor forma de terminar, ao estar perto das pessoas, no meio delas, a dançar e a cantar para elas, num concerto, interagindo com elas. Ao fazer um filme, haveria sempre algum distanciamento", frisa.
Se as cantigas de Liliane Marise não conseguiram chegar à sétima arte, a música das Empreguetes da novela brasileira Cheias de Charme, que terminou em setembro na SIC, já tem luz verde. Thaís Araújo, Leandra Leal e Isabel Drummond vão começar a gravar no início de 2014.
Uma produção que se espera que alcance os números de Crô - O Filme, avança a imprensa brasileira, que está em exibição neste momento no Brasil. O filme, que relata a vida do mordomo homossexual de Fina Estampa estreou-se no final de novembro e já levou 992 mi brasileiros ao cinema. E até o próprio ator Marcelo Serrado justifica que este é um fenómeno esporádico. "Transformar uma personagem para um filme é uma coisa rara", disse, numa entrevista.