Quando a TV serve como inspiração para fazer música

O teclista dos Duran Duran, Nick Rhodes, apresenta o álbum do projeto TV Mania , aventura gravada nos anos 90 com premonitória visão sobre o universo da 'reality TV ' que agora foi editada
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Imaginem uma família disfuncional. Tão disfuncional que chamou a atenção de cientistas, que resolveram monitorizá-la com câmaras de televisão, 24 horas por dia. E, depois, uma estação de televisão que resolve mostrá-las aos espectadores... Hoje, esta ideia podia ser a de um qualquer reality show. Mas em meados dos anos 90, antes do Big Brother e até do filme Truman Show, de Pete Weir, esta era uma ideia algo visionária quase com sabor a ficção científica... História de ficção esteve então na base de um projeto que Nick Rhodes (teclista dos Duran Duran) e Warren Cuccurullo (então o guitarrista) desenvolveram e foram gravando nos tempos de pausa da criação do álbum Medazzaland. Dadas como perdidas anos a fio, as gravações foram recentemente encontradas quase acidentalmente. E agora eis que surgem em disco com o título Bored with Prozac and the Internet? e editadas sob o nome do projeto paralelo TV Mania .

"O que nos motivou foi mais a tecnologia que se estava a desenvolver naquela altura", conta Nick Rhodes em conversa com o DN. A Internet, recorda, "era algo ainda incipiente, mas começava a estar disponível". Depois "havia as noticias que chegavam da indústria farmacêutica, com as pessoas a falar sobre o prozac". E ainda "os novos sistemas de vigilância, que começavam a estar progressivamente mais sofisticados, com pessoas a instalar câmaras". A isto acrescenta uma natural "comparação orwelliana ao seu 1984", mas com "algo de novo por ali". Criou então esta ficção em torno de uma família disfuncional, pessoas que, "no fundo, refletem partes do que é a sociedade". E com elas pensou, juntamente com Warren, em criar um musical para a Broadway. "Mas então estreia o Truman Show... O conceito era semelhante, embora ali fosse a história de um homem que cresce num estúdio", e acabaram a "arquivar a ideia". Mesmo assim continuaram a trabalhar na música: "Era um grande conceito, mas o que entretanto acontecera não afetaria a música", defende o teclista.

Nem Nick nem Warren se sentiram "roubados" pelo facto de a sua ideia ter conhecido expressões semelhantes naquela época. "Havia outras pessoas a pensar o mesmo que nós, porque era o que estava no ar, era para aí que as coisas iam avançar", reconhece. Bored with Prozac and the Internet? é a expressão de parte da ideia e corresponde ao único dos três discos imaginados pelo par que chegou a ser concluído.

A televisão, além de ser uma importante fonte de inspiração para o conceito que acompanha o álbum, é também a matéria-prima da qual retiram os elementos vocais para as canções. "O disco foi ins pirado por vozes que vinham de programas a que assistíamos e de que gostávamos, como o Fashion Show, com entrevistas feitas nos bastidores", recorda Nick que fez a dada altura uma observação a Warren: "Estas pessoas falam com títulos de canções!"... Beautiful, Beautiful Clothes... I Wanna Make Films... E nesse momento sentiu que não precisava "de procurar mais noutros lugares"...

Esta não é a primeira vez que o músico usa a televisão como matéria-prima. Fê-lo nos anos 80 quando tirava polaroids de imagens nos ecrãs, que depois publicaria no livro Interference. "Já tínhamos usado samples de televisão no Liberty [álbum de 1990 dos Duran Duran]. Ou seja, já tínhamos trabalhado com samples de televisão. Mas isto é diferente. Era a ideia de fazer canções apenas com samples", explica. Entre os dias das polaroids de Interference (publicado em 1984) e o presente, Nick Rhodes faz uma ponte entre os velhos "grandes ecrãs de raios catódicos" e os ecrãs de LED, até mesmo televisores 3D de hoje. "Mas a maneira como vemos televisão não mudou tanto quanto pensava que iria mudar", observa. E acrescenta: "Ainda temos televisores nas nossas salas ou nos nossos quartos."

A redescoberta das gravações que agora escutamos no disco levou Nick Rhodes a reencontrar-se com Warren Cuccurullo, que entretanto se afastou dos Duran Duran na alvorada do novo século por alturas da reunião da formação histórica do grupo. Foi um músico que "trouxe muito aos Duran Duran quando integrou a banda", diz, lembrando que quando trabalharam como TV Mania o guitarrista foi o seu "parceiro ao longo de todo o processo".

Agora que o disco de TV Mania está editado, Nick Rhodes volta a focar atenções nos Duran Duran, que este mês voltaram a estúdio para iniciar as gravações de All You Need Is Now, o mais recente e um dos mais bem-sucedidos dos álbuns dos Duran Duran. O ciclo associado a este disco "foi um tempo muito feliz para a banda e mesmo um momento alto" da sua carreira. Nick Rhodes aponta entre os melhores instantes o filme que fizeram com David Lynch (a transmissão de um concerto, que ponderam agora editar em DVD e até mesmo "pensar numa pequena distribuição em salas de cinema") ou Diamond in the Mind, filme também ao vivo captado num concerto em Manchester.

Mark Ronson, o produtor que trabalhou com o grupo volta agora a juntar-se neste novo disco. "Foi um elemento importante", reconhece Nick Rhodes. Como produtor, diz que "foi a escolha perfeita" porque "tem um conhecimento profundo da banda", do que o grupo quer "alcançar musicalmente e na sonoridade procurada". E "por isso" estão "novamente a trabalhar com ele", conclui com um sorriso.

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