Quando a serpente e Camões se encontram em José de Guimarães
Caixas de madeira. Caixas de cartão. Caixas com profundidade. Caixas de cores vibrantes. Caixas com luz. A boca de Marilyn. E um inédito Ritual da Serpente. São assim as peças que se podem ver a partir de hoje no número 96 da Rua Augusta. Lisboa volta a mostrar obras do artista. "Estas são obras de arte e simultaneamente objetos que têm sempre um carácter propiciatório", afirma o pintor ao DN. "Há toda uma relação entre as figuras e a forma que anuncia a ideia de espírito", diz o curador, Nuno Faria. As palavras remetem para o título da exposição: Esconjurações. Esconjurações na Coleção Millenium bcp e noutras obras de José de Guimarães, como se escreve no livro-catálogo, editado em simultâneo.
"O pretexto para a exposição foram as obras da coleção", nota o presidente da fundação Millennium bcp, Fernando Nogueira. Entre elas, cinco tapeçarias Camões Produzidas pela Manufatura de Tapeçarias de Portalegre, nunca tinham sido mostradas em conjunto. "Desenhei para esta técnica", contextualiza José de Guimarães, anfitrião da visita. "Preparei a imagem para ser feita neste suporte". Fosse outro o meio e seria outro o método. Aqui, cores sólidas e menos detalhe. O pintor dá o exemplo do mestre da pop art. "Andy Warhol, o rei da serigrafia, usava uma escassez de meios que fazia com que o trabalho tivesse um impacto enorme".
A assinatura destas tapeçarias situa a produção entre 1980 e 1991, uma referência a um primeiro trabalho em torno do escritor português. "Fiz uma série de obras sobre o tema de Camões que deu origem a uma publicação da Imprensa Nacional Casa da Moeda. Dez anos depois convidaram-se para que a atualizasse em termos de vocabulário". Há uma sexta tapeçaria, Pássaro Azul.
Regresso a Lisboa
Desde 2007, quando mostrou as suas obras e a sua coleção de arte africana no Páteo da Galé, e em 2011 quando fez o mesmo com a sua coleção de arte chinesa, no Centro Cultural e Científico de Macau, que José Maria Fernandes Marques (alias, José de Guimarães, como a cidade onde nasceu há 76 anos) não expunha em Lisboa. Uma ausência casual. Nuno Faria, que além de curador é programador do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG), remete para a cronologia que fecha o livro-catálogo. O artista passou pelo Japão, "onde tem forte presença de arte pública", Sâo Paulo, Pequim, Espanha, Luanda, Roma, e "o processo intensíssimo" da abertura da instituição vimaranense.
Ritual da Serpente
Relicário é a palavra que mais vezes surge no percurso pelos três pisos da galeria. É para eles que remetem estas caixas de luz, feitas a partir de madeira ou cartão que abrem a mostra e que a encerram, e denunciam a influência de África e do México no trabalho do artista. Juntam-se a alguns exemplares da coleção de arte africana de José de Guimarães no segundo piso. É lá que se encontram três quadros nunca antes mostrados - Ritual da Serpente, "um símbolo forte na pintura de José de Guimarães", diz Nuno Faria. Resultam de um estudo do autor no Novo México.
A exposição completa-se com a exibição de dois filmes dedicados à obra do artista - Prova de Contacto, de José Mário Grilo (2005) e A África de José de Guimarães, de Jorge Silva Melo e Miguel Aguiar (2012) - e a edição do livro P de Pop, Pintura, Poster, um olhar antológico sobre o trabalho de Guimarães entre 1965-1980.