«Hoje a doença de Alzheimer é considerada a forma mais comum de demência», afirma João Barreto, psiquiatra e membro da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer (APFADA). Por demência entende-se «um quadro clínico em que existe progressiva perda das funções mentais, geralmente a partir da meia-idade ou ao longo da idade avançada».Neste estado de perda gradual de memória, os doentes vão-se alheando cada vez mais do mundo. Os objectos e as rotinas do dia-a-dia vão ficando esquecidas. E, aos poucos, o mundo vai-se tornando um lugar estranho para os doentes de Alzheimer. «As primeiras manifestações são insidiosas, mas visto tratar-se de uma doença neurodegenerativa as alterações e destruições do tecido nervoso, que se iniciam em determinado momento da idade adulta, vão-se acentuando de um modo gradual e progressivo», fundamenta o professor.Tudo começa com lapsos de memória que o doente tenta desculpar com o cansaço. Mas com o passar do tempo os esquecimentos vão-se tornando mais frequentes, «acabando por impedir a autonomia pessoal» e, aos poucos e poucos, as alterações cognitivas empurram o doente «para um mundo estranho e confuso». Numa fase já avançada, «acentua-se a dificuldade em interpretar a informação sensorial, com a dificuldade de reconhecer os lugares, sons, cheiros e até os rostos, antes familiares»..O tempo e o espaçoApesar de ser difícil apontar uma faixa etária para o aparecimento da doença de Alzheimer, João Barreto indica que «esta patologia pode ocorrer em qualquer idade da vida adulta». Mas, efectivamente, «só se costuma diagnosticar entre os 40 e os 90 anos». O especialista ressalva ainda que com o aumento da esperança de vida o número de casos tem aumentado. E a tendência é de contínuo crescimento.Embora a origem desta doença ainda esteja por clarificar, sabe-se que o seu aparecimento está, em parte, associado à morte celular cerebral em larga escala. A morte celular cursa, porém, de um modo muito mais acelerado do que acontece, frequentemente, no envelhecimento típico da idade. A questão que se impõe é a seguinte: poderá um lapso de memória indiciar o aparecimento de Alzheimer? «A maioria das pessoas queixa-se da diminuição da memória a partir da meia-idade, ou seja, depois dos cinquenta anos. Mas só algumas pessoas evoluem para um quadro de perda progressiva e global das funções mentais e de demência.A doença de Alzheimer geralmente começa com falhas de memória e incapacidade em recordar factos recentes. Pelo meio, a desorientação e as alterações da personalidade vão sendo cada vez mais vincadas. «O doente vai deixando de identificar correctamente as pessoas que o rodeiam.» É o fenómeno de distorções perceptivas que, em alguns casos, denota até a dificuldade em reconhecer a sua imagem ao espelho: «A casa onde mora pode parecer estranha e há casos em que o doente chega a exigir que o levem para a verdadeira residência, acusando os familiares de o terem sequestrado», informa João Barreto.Com a deterioração da linguagem, as capacidades de comunicação vão-se tornando, também, limitadas. Esta situação é ainda agravada pela alteração do ritmo sono/vigília: «O doente demonstra uma certa tendência para se manter desperto durante longas horas de noite e adormecer superficialmente por curtos período durante o dia.» Com o avolumar destes sintomas, «também deixa de ter uma vida independente, passando a carecer de uma assistência ou de ajudas permanentes, tanto para a higiene e asseio pessoal, como para a alimentação e cuidados de saúde», acrescenta o médico. .O controlo possívelAté ao momento, não existe uma cura efectiva para a doença de Alzheimer: «Actualmente, ainda não é possível fazer reverter o processo neurodegenerativo e repor o funcionamento cerebral a um nível próximo da normalidade. Encontram-se em estudo alguns fármacos que poderão, em certo sentido, alterar a “cascata” de alterações patológicas que conduzem à destruição do tecido nervoso, e que talvez venham a permitir estabilizar o processo.»Estão, no entanto, à disposição «fármacos que, por assim dizer, ajudam a estimular os neurónios funcionais». João Barreto diz que «são medicamentos que, em certos casos, melhoram as capacidades do doente e que o tranquilizam. Podem proporcionar um ganho apreciável em termos de autonomia, por um período de três ou mais anos». O especialista esclarece que aqueles medicamentos, conhecidos como antidemenciais, «devem ser administrados por períodos prolongados porque o seu efeito, geralmente, só se começa a manifestar ao fim de várias semanas». Quanto aos efeitos secundários, «as formulações mais recentes, nomeadamente as de aplicação transdérmica (adesivo), melhoraram muito a sua tolerabilidade», adianta o médico.Por outro lado, para o tratamento dos sintomas comportamentais, estão disponíveis fármacos que ajudam a combater a depressão, a insónia, a psicose e a agitação. Pelos efeitos adversos e pela toxicidade, João Barreto desaconselha o uso dos sedativos por um período prolongado. Complementarmente aos medicamentos, «deve ser ensaiado um tratamento não farmacológico para facilitar a compreensão dos sintomas», de modo a prevenir eventuais reacções do doente. «Com este fim, existem hoje programas de estimulação sensorial e cognitiva, que se têm mostrado bastante válidos e eficazes, quando utilizados adequadamente», esclarece o psiquiatra..Ao lado de quem mais precisaVinte anos depois de ter sido criada, a Associação Alzheimer Portugal (APFADA) presta à comunidade interessada «todo o tipo de apoio informativo, nomeadamente através dos atendimentos presenciais», explica Erica Marcelino. Para quem não tem possibilidade de se deslocar às instalações da associação, o aconselhamento ou esclarecimento das dúvidas pode ser efectuado por telefone ou e-mail. Quando há necessidade, a APFADA disponibiliza ainda o serviço de apoio psicológico (individual ou em grupo) para os cuidadores.ContactosAvenida de Ceuta NorteQuinta do Loureiro, Lote 1, Loja 1 e 21350-410 LisboaTel.: 213610460/8Fax: 213610469E-mail: geral@alzheimerportugal.org.ApoioAo lado dos doentesVestir, comer, fazer a higiene pessoal. Tarefas que nos parecem demasiado comuns mas que um dia deixam de ser efectuadas pelas pessoas com doença de Alzheimer. Para prestar cuidados aos doentes é preciso um «cuidador»..Na maioria dos casos, o «cuidador principal» da pessoa com demência é um familiar próximo: o cônjuge, um filho ou amigo de longa data. Contudo, Erica Marcelino, psicóloga da Associação Alzheimer Portugal (APFADA), defende a existência de vários cuidadores, para distribuir as tarefas e evitar a sobrecarga emocional e física. O que não invalida a «eleição» de um «cuidador principal», com quem o doente tem maior afinidade.«Prestar cuidados a uma pessoa com demência, sobretudo se o cuidador for um familiar, acarreta uma forte componente emocional, que se caracteriza por um desgaste emotivo e relacional.» Paralelamente ao cansaço emocional, existe ainda o desgaste físico, que, em certos casos, «pode ser muito preocupante». Imagine-se um casal de idosos, em que um dos cônjuges sofre da doença de Alzheimer. «Se, inicialmente, não obtiverem apoio domiciliário ou outro tipo de ajuda semelhante, esta tarefa é extremamente extenuante para o cuidador. Somando o cansaço físico ao desgaste mental, ao fim de uns meses, podemos ter cuidadores doentes, normalmente com sintomatologia de foro psicológico ou psiquiátrico.»O isolamento social é um dos problemas que poderá afectar grande parte dos cuidadores sem ajuda. Por falta de tempo, o convívio social e os períodos de descanso são suprimidos, pois o doente de Alzheimer exige cuidados redobrados e um olhar atento e permanente: «Este é o maior perigo para os cuidadores, porque deixam de viver a sua vida, para passarem a viver apenas a doença do familiar.»Por estas e outras razões, Erica Marcelino diz que cada cuidador de uma pessoa com demência deveria ter um suporte psicológico, para evitar quadros de ansiedade, depressão e stress de maior gravidade. De modo a colmatar estes problemas, a psicóloga aconselha os cuidadores a procurarem ajuda. «Se houver uma prestação de cuidados acompanhada, os cuidadores conseguem ter uma vida mais equilibrada», sustenta. Parte da solução poderá passar por a pessoa com demência «frequentar um centro de dia onde possa realizar várias actividades». E em situações de crise «poder-se-á recorrer aos serviços de internamento temporário», informa.