Quando a maternidade chega depois dos 40
Ter filhos numa fase avançada é uma opção ou situação imposta, quer pela vida sentimental quer pela profissional? O DN falou com mulheres, todas com um filho, que adiaram a maternidade quase até ao limite, cientes do risco da gravidez. Este domingo é o dia da mãe
São e João já viviam juntos há dez anos, muito provavelmente com a certeza de que assim se manteriam ao fim de 30. Simplesmente, andaram desencontrados quanto à melhor altura para ter um filho, dúvidas até se queriam ser pais. "Uma vezes era eu que não queria ter uma criança, outras vezes era ele. Houve uma altura em que pensámos que tínhamos de nos pôr de acordo. Estávamos com 39 anos e disse: "Se engravidar até ao fim dos 39, tudo bem, se não vamos fazer tratamento." "Foi engraçado porque engravidei logo, parece que tínhamos de estar de acordo para que a nossa união resultasse numa criança." Tinham 40 quando o Ivo nasceu, o bebé "muito desejado" que faz 20 anos em agosto.
São Serrano, 60 anos, socióloga reformada, recorda esses tempos na sala de jantar, num fim de semana, calmo e familiar, onde pai e filho se dedicam às suas atividades. Pergunta ao marido quando começaram a viver juntos. "Em 1987!", responde ele. "Aqui é tudo ao contrário, ele é que se lembra das datas", comenta ela. Receios não teve durante a gravidez, complicações de saúde ou emocionais também não. Sentiu apenas diferenças na forma como a tratavam nos hospitais. "Como uma grávida do segundo ou terceiro filho e eu era verdinha. Era o primeiro filho, não sabia nada. Por exemplo, que devia preparar o peito para amamentar. "
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Com o nascimento do Ivo deu-se a revolução. "Foi uma reviravolta nas nossas vidas, uma entrega total a este novo ser, que foi muito desejado e querido." O casal alterou toda a sua vida, também muito tinham feito em conjunto, nomeadamente as viagens, o que também retomaram rapidamente após o nascimento do filho. A estabilidade nos empregos proporcionou-lhes horários adequados à nova realidade.
"Atribuo à idade a disponibilidade que eu e o pai tínhamos para ele. Não havia os avós da criança por perto, ninguém de retaguarda, era eu ou o João, um de nós estava sempre com ele. O miúdo cresceu, sempre muito responsável, um belíssimo aluno, nunca foi preciso mandá-lo estudar." Aos seis meses foi para a creche. Rodearam-no de amigos quando era possível, até porque desde o primeiro momento ficou decidido que seria o único filho. "Não tínhamos condições financeiras, logísticas e idade para ter mais crianças."
São recorda quando organizou o Dia do Amigo, "com a colaboração espetacular da educadora Isabel", teria o rapaz 4 ou 5 anos. Também facilitou a escola ser ao lado de casa. Armários e outros objetos que pudessem interferir na circulação das crianças foram retirados, em substituição construídos recantos com várias atividades, e toda a sala passou a jornada em casa do Ivo. "Ele viu o seu universo ser partilhado com os amigos, foi um intercâmbio muito importante. Entretanto, os meninos do ATL souberam e também quiseram vir." O Ivo tinha carta branca para convidar os amigos e está convencido de que os seus pais tinham um jeito especial para os outros pais se sentirem à vontade para deixarem os filhos dormir em sua casa.
Vitória, como uma bênção
O nome da filha de Sofia Cerveira, Vitória , de 9 meses, explica muito. "É rico de significados, surgiu numa altura muito complicada das nossa vidas com a doença do Gonçalo [Diniz]. Acredito que a Vitória foi mesmo uma bênção nas nossas vidas", explica a apresentadora. Ao ator foi diagnosticado um cancro nos testículos, doença à qual foi tratado. Uma metástase fez que desse passos atrás e voltasse à quimioterapia, precisamente na altura em que souberam que iam ser pais. Vencida a doença e os receios de uma gravidez tardia, nascia a Vitória, uma bebé sorridente e muito tranquila. "É muito calminha, dá boas noites."
Sofia Cerveira, 42 anos, conta que sempre teve um grande instinto maternal, mas a profissão exigente e o não ter encontrado "o tal", fizeram que esse lado fosse substituído pelo papel de tia. Tem duas sobrinhas gémeas, de 7 anos, e um sobrinho de 16. A partir daí passou por todas as fases, mesmo com a ginecologista que a acompanha há 20 anos. Traduzidas em expressões como: "Sofia, quando é que vai ter uma criança?" até às mais recentes: "Não tem muitos mais anos para poder engravidar!" Até que iniciou a relação com Gonçalo Diniz, que conhecia há 15 anos. Ser mãe tornou-se prioridade.
Tinha sofrido uma trombose venosa profunda - um coágulo sanguíneo que se forma nas veias da parte inferior da perna ou do braço -, e tinha de administrar ela própria uma injeção na barriga. O companheiro sofria de cancro e ela tinha passado a barreira dos 40, uma mistura assustadora para uma futura mãe, não para a Sofia.
"Não é fácil para uma mulher grávida lidar com tudo isto, mas o Gonçalo é uma pessoa tão determinada, tão otimista, não conheço ninguém como ele. Nunca deixou de me fazer sentir uma grávida no máximo esplendor. Claro que adorava ter tido uma gravidez diferente mas esta também foi especial por isso, senti-me muito mimada e a Vitória foi crescendo feliz, muito sorridente, não dá trabalho nenhum."
Consultou o seu cirurgião vascular, seguiu todos os protocolos com a ginecologista-obstetra, fez o exame bioquímico. Ao contrário das outras três mães com quem o DN falou, decidiu não fazer a amniocentese (deteta problemas como a trissomia 21) dado os resultados serem tranquilizadores. E foi com serenidade que a apresentadora passou toda a gravidez, "na cabeça e no coração".
Ansiosos? "Obviamente, mas o facto de perceber que tínhamos esta luzinha encheu-nos de força. Havia ansiedade, mas que foi colmatada com as radiografias, com os exames. Estava tudo bem e fomos ficando cada vez mais tranquilos e a viver a gravidez."
Sofia Cerveira, com gravações constantes do programa E-Especial, na SIC, viu os trabalhos em casa redobrados e deixou de ver a profissão como uma prioridade. Acompanhou muito a filha nos primeiros meses, a pequena Vitória, a quem continua a amamentar e a manter em casa, contando com o apoio de uma funcionária.
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A menina não tem primos da sua idade, mas tem filhos dos amigos dos pais, muitos com idades semelhantes. Medita a mãe: "Estávamos a tentar há algum tempo, podia ter vindo antes e podia ter vindo depois, veio no momento em que mais precisávamos dela." Sofia poderá ser outra exceção nesta reportagem, já que todas as outras tiveram só um filho, o que a socióloga Anália Torres, diz ser o inconveniente de se ter um filho mais tarde (ver entrevista). Ela não coloca de parte um segundo: "Penso que tudo correu bem, foi tão espetacular, que devo agradecer ter uma gravidez e um bebé saudável e ficar por aqui. Mas também já dei por mim a pensar que é tão extraordinário, que dois filhos seria ainda melhor. Tenho essa porta em aberto."
Primeiro filho para 32%
Em 1997, quando São foi mãe, 82% das parturientes com 40 ou mais anos (2 034) estavam nas segundas, terceiras e mais gravidezes. O ano passado, dados recentemente revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), um terço das mães (32 %) eram-no pela primeira vez - e num período em que quase triplicaram as que o foram após os 39. Só mais um dado: o Ivo foi um entre os 113 047 bebés nascidos no seu ano, atualmente registam-se menos 26 mil nascimentos em Portugal, o que faz aumentar a proporção de mães tardias. Mães e pais que não se sentem tardios e que têm cuidados redobrados para que os filhos também o não sintam, constatou o DN nesta reportagem.
"Via que os meus pais eram mais velhos, o que não me afetou, sempre foram mais fixes do que o normal dos outros pais. Permitiam que eu fizesse mais coisas, não atrofiavam como os mais novos. Reagiam com mais calma, não se chateavam com coisas que não faziam sentido", conta Ivo Pascoal, 19 anos, aluno do 2. º ano de Engenharia e Eletrotécnica de Computadores, no Instituto Superior Técnico. Perante os olhos claros da mãe, sorriso largo de um grande orgulho.
O rapaz pondera a hipótese de que a sua maturidade possa ter que ver com a idade dos pais, que faz que considere parvas algumas reações de pessoas da sua idade, mas acredita que isso terá mais que ver com as suas personalidades, com a educação. Em vez do "não", optaram pela via da justificação para ele não poder fazer o que queria. Um exemplo: quando pediu o castelo do Harry Potter, a mãe explicou que era muito caro, mas que o poderia ter no Natal se não quisesse mais brinquedos. E ele não pediu mais nada nesse ano.
Pensamento positivo ajuda
Ilda Seabra, 52 anos, professora de educação física, e mãe do Ricardo de 11, recorda que quando engravidou também não era assim tão frequente. "Estava com um pensamento tão positivo de que tudo ia correr bem, que nem pensou nos riscos. Sempre tive cuidado com a alimentação, faço exames regularmente, sabia que estava tudo bem do ponto de vista da saúde, estava supertranquila. E os outros? "Não diziam nada, talvez também pela minha forma de ser. Vivo como se tivesse menos idade, não me dão 52 anos e, psicologicamente, tenho menos idade do que no BI. Para mim, não era tarde ser mãe. Acho que isso se transmitia a quem estava à minha volta."
É professora, andei "a conhecer o país", como ironicamente se refere às vicissitudes da profissão. Casou aos 37 anos, "assentei poeira", a mesma idade do marido, auxiliar de educação médica. Ambos solteiros, ambos sem filhos, tinham fechado a porta da maternidade, precisamente a pensar nos riscos para a criança. Vinda de uma família de seis filhas e com nove sobrinhos, além dos alunos, Ilda pensava que estava bem servida de crianças. "Já o casamento era uma novidade, pensávamos que iria ser uma adaptação difícil. Era uma vida a dois, que sempre foi um, e achámos que uma criança estaria a mais. E também tinha medo que nascesse deficiente."
Até que houve uma inversão nesse sentimento. "E se um dia me arrepender de não ter tido filhos? Não poderei voltar atrás." Tinha 40 anos, ele 38, decidiram correr o risco. Ilda deixou de tomar a pílula, o que fazia há 22 anos, pensou que seria muito difícil engravidar. Mas conseguiu ao fim de um mês. "Uma gravidez muito boa, com muita saúde. Fiz todos os tratamentos e exames, cumpria religiosamente o que o médico mandava. Continuei as minhas caminhadas, era mesmo só barriga. Estive a dar aulas até sexta-feira e o menino nasceu na segunda." Exemplo de que é uma gravidez normal se for acompanhada, como sublinha o obstetra Carlos Veríssimo (ver entrevista).
Ricardo nasceu um rapaz saudável, com a mãe a amamentar até aos dez meses, mas com um péssimo feitio. Também por isso não equacionaram ter uma segunda criança. "Não tive o segundo filho, entre outros aspetos logísticos, nomeadamente económicos e o apartamento, porque o Ricardo tinha 4 anos quando dormiu uma noite seguida. Nessa altura já tinha 44 anos e o problema de haver doenças pesou mais. Mas acho que foi por sermos pais maduros que aguentámos a situação."
Jogar à bola é um dos programas favoritos da família em dias de sol, tudo menos estar o dia sentado em frente ao computador ou tablet, muito menos que sejam utilizados quando se está a comer. "Os pais conversavam pouco com os filhos, nós falamos muito, sempre dissemos ao nosso filho para perguntar o que quisesse e ele pergunta tudo o que se possa imaginar. Comer em frente ao telemóvel, ao tablet? Nem pensar. Ele leva o telemóvel na mochilita e um livro. Se a refeição demora, conversa connosco, lê e só depois vai um pouco ao telemóvel. Ao fim de semana também estipulamos as horas para essas coisas. E, para estudar, não dá trabalho nenhum, sabe o que deve fazer."
Par certo no momento certo
"O meu caso não é um clássico, uma gravidez que se vai adiando por causa da carreira", começa por dizer Cátia Antunes, 43 anos, técnica de marketing. "No meu caso foi um misto. A carreira pesou mas também nenhuma das relações que tive justificavam ter um bebé."
Em jovem desejava ser mãe cedo, o que acha que é o mais desejável, mesmo depois de ter um filho aos 41. O Francisco tem 2 anos e 5 meses. "Primeiro porque há uma grande diferença de idades dos filhos. Faz-me muita confusão saber que vai ficar sem pais cedo. Por exemplo, já não pode usufruir tanto dos maus pais como os meus sobrinhos. E tenho a certeza de que em miúda eu reagia melhor perante determinadas situações, nomeadamente com a entrada do Francisco no jardim-infantil. Além de que a forma física não é a mesma."
Cátia fala assim porque está precisamente a viver a fase do filho dividir a casa dos pais com a escola. "Está a ser muito difícil emocionalmente. Sinto-me mais fragilizada, tem sido uma angústia", confessa. Quanto ao resto não se nota essa diferença de idades, Cátia não aparenta 43 anos, quer pela imagem quer pela atitude. E, quanto aos avós, o Francisco usufrui da sua companhia, fica com eles duas vezes por semana, embora eles estejam com menos energia. "Mas tenho de mudar isso, dizem-me que é melhor o Francisco ficar todos os dias na escola, para a sua adaptação."
Quando conheceu o companheiro, Cátia Antunes viu que tinha chegado a altura de constituir família, simplesmente o desejo de engravidar tornara-se o sonho de adotar. Motivada, até, pelas estatísticas sobre as crianças institucionalizadas no país - 8600 em 2015 -, quando tomou conta do processo de adoção percebeu que seria muito difícil. Fez voluntariado numa instituição para crianças, fez parte do projeto Família Amiga, mas não houve consequências desses contactos. Decidiu viver o momento, deixar que as coisas acontecessem. "Não fiz nada para não ter uma criança, como não fiz para ter. E aconteceu." Nove meses depois, nasceu o Francisco, que se aninha na mãe, quando esta vai ao encontro dele, que está com o pai num jardim onde mora. Uma família que aprende a lidar com as primeiras dificuldades do crescimento e que dizem respeito à separação do rebento.
Também encontra vantagens numa gravidez tardia. "Sinto que tenho mais disponibilidade emocional do que as minhas colegas mais novas. Por exemplo, jantar e sair com os amigos. Vejo-os a combinar com os companheiros quem vai ficar com os filhos numa noite para poderem sair. Não tenho essa necessidade, foram muitos anos sem este ser, o que quero é estar com ele."
A gravidez correu muito bem, fiz todos os exames. "O único peso foi físico, tive uma excelente gravidez e também nunca a vi como uma doença. Trabalhei até ao último dia, quando toda a gente dizia que tinha de ir para casa, que era uma gravidez de risco. Fui apenas uma semana antes e, em casa, continuei a fazer as limpezas, a passear o cão, sempre fiz tudo, aliás, para mim não faria sentido ser de outra maneira", explica Cátia para rematar. "Sou muito descontraída, sempre o fui, mesmo em relação às doenças. Só me assusta o sofrimento do Francisco." E ainda não pôs de parte o sonho de adotar uma criança.