Quem tem nas suas memórias de leitor a passagem das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian até pelos mais recônditos cantos de Portugal encontra um par nos leitores iraquianos. Também por lá elas passaram, parte do trabalho diplomático e filantrópico da Fundação Calouste Gulbenkian entre 1957 e 1973, enquanto explorou petróleo naquele país até à nacionalização da atividade..Foi também a Gulbenkian que construiu em Bagdad o Estádio do Povo (Al-Shaab), então o maior do Médio Oriente, que inaugurou em 1966 com Eusébio na equipa do Benfica a estrear o relvado contra a seleção iraquiana. Tal como o Centro de Arte Moderna de Bagdad, que hoje se chama Gulbenkian Hall, e que foi a primeira grande obra da fundação no país. A par dessas obras maiores, a Fundação apoiou a construção de cerca de cem edifícios, entre eles hospitais e escolas..Hashim Samarchi, que encontramos nesta sexta-feira no museu, foi um dos mais de 600 bolseiros estudantes e artistas que assim continuaram a sua formação no estrangeiro. Ele tinha 30 anos e veio com outros dois artistas para Lisboa estudar na GRAVURA - Cooperativa de Gravadores Portugueses. Agora tem 81, e vive há décadas em Londres. Vemo-lo novo, de bigode, numa fotografia dessa época, onde também estão Fernando Calhau e Alice Jorge, além dos seus conterrâneos Rafa Nasiri e Salim al-Dabbagh..São estas e outras histórias - como a Semana Cultural Gulbenkian em 1966 onde os iraquianos conheceram a obra de Júlio Pomar, Marcelino Vespeira ou Ângelo de Sousa - que conta a exposição Arte e Arquitetura entre Lisboa e Bagdade, patente no Museu Gulbenkian. A curadoria é de Patrícia Rosas e Ricardo Costa Agarez.."Nós não tínhamos consciência de que tínhamos um núcleo de arte iraquiana na coleção. Comecei a ver nos documentos que tudo tinha sido adquirido nos anos 1960. Conseguimos criar um núcleo de 31 obras", a grande maioria dos quais nunca foi exposta, conta ao DN a curadora..Porém, agora ali estão finalmente nas paredes as obras de Samarchi, Hafidh Al-Droubi (1914-1991) ou Dia Al-Azzawi (n.1939), por exemplo, todos eles residentes em Londres. "Azeredo Perdigão e Robert Gulbenkian visitaram os ateliês dos artistas e adquiriram lá as obras", refere Patrícia Rosas..Ricardo Costa Agarez que tem estudado a construção do Estádio do povo e o contexto em que este nasceu, conta que a sua construção foi paralela à construção do Museu e Sede da Fundação Gulbenkian.."Os engenheiros são os mesmos, um dos consultores arquitetos aqui foi um dos projetistas do estádio de Bagdad. Toda a máquina técnico-administrativa em campo foi a mesma que fez isto, apesar de serem dois campos periféricos, completamente longínquos. As torres de iluminação foram feitas na Sorefame e enviadas por barco. Os mármores e azulejos também são daqui. O chão do Art Center era de cortiça portuguesa e teve de ir uma equipa daqui", explica o curador. Patrícia Rosas chama ainda a atenção para as fotografias que têm das famílias dos construtores portugueses a passar o Natal em Bagdad..Também estão expostas algumas das 70 obras da coleção que foram mostradas em Bagdad na Semana Cultural Gulbenkian, no ano de 1966. Lá estão Cena na Praia, de Pomar, Duas Janelas, de René Bertholo, ou uma obra de Jan Voss, que, como tudo o resto, podem ser vistos até 28 de janeiro..A pose segundo Rodin, que nunca entrou na École des Beaux-Arts, e seus contemporâneos.Também Pose e Variações - Escultura em Paris no Tempo de Rodin abre as suas portas ao público nesta sexta-feira. Somos recebidos pela Danaide, de Auguste Rodin (1840-1917), e atrás dela estende-se uma galeria de esculturas assinadas pelos contemporâneos do mestre. À medida que passamos por elas, cada uma encontra a sua forma de se enquadrar de uma ou outra forma com o jardim lá fora, visto através das largas janelas, e daqueles que o frequentam..Luísa Sampaio, comissária da exposição a par de Rune Frederiksen, explica que esta "nasce de uma proposta feita pela NY Carlsberg Glyptotek ao Museu Gulbenkian. Temos escultura francesa em comum e isso deu o mote para se fazer essa exposição [com obras de ambos os museus, que depois seguirá para Copenhaga]. Tem a graça de serem coleções privadas de colecionadores que foram contemporâneos"..A comissária refere-se, claro, a Calouste Gulbenkian e a Carl Jacobsen, filho do fundador das cervejas Carlsberg. "Com essa fortuna ele fez um museu em Copenhaga com o intuito de educar a população, que é uma coisa extraordinária. Fez isso no início do século XX. É uma coleção muito vasta, que vem da Antiguidade Clássica, do Egito até ao século XX.".A exposição divide-se em núcleos basilares na escultura do século XIX como A ausência de pose, A figura acocorada, Maternidade, Figuras entrelaçadas e A figura de pé. A comissária explica que a preocupação na mostra era, além de atravessar estes 130 anos que atravessa, mostrar um "discurso coerente do que é também a produção da escultura, que não se baseia na peça única", daí que vejamos a mesma peça em mármore, bronze, ou até num esboço rápido de terracota, como acontece com Mulher Acocorada, de Jean-Baptiste Carpeaux..Outro dos propósitos era mostrar como é que cada um destes artistas "se pode libertar de alguma maneira dos cânones clássicos, do estudo, e do ensino da École des Beaux-Arts, que tinha regras muito concretas. A escola aparece ainda no reinado de Luís XIV e chega ao século XIX com uma forma diferente após a Revolução Francesa. Mas mantém o respeito pelos cânones antigos, o conhecimento da anatomia, da perspetiva; era preciso executar obras belas e nobres e era preciso saber o que se estava a representar. Eram temas mitológicos, alegóricos, muitas vezes. Exigia-se aos alunos um conhecimento da história detalhado"..Luísa Sampaio relembra que Rodin, de quem estão patentes seis obras nesta exposição, nunca foi admitido na escola. "Foi uma frustração para ele, mas não impediu que fosse talvez o maior génio da escultura até aos nossos dias, eu diria. Estamos a falar de sete mil esculturas, dez mil desenhos, dez mil fotografias, onde corrigia detalhes da escultura. As coisas que ele fez e que são de rutura, como a estátua do Balzac...".Também lá estão Carpeaux, Paul Dubois, e até Edgar Degas, com a sua pequena Mulher Surpreendida, que como a maioria das suas esculturas não foi feita com o intuito de alguma vez ser exposta, mas para uso técnico no desenho..Percorremos a galeria e detemo-nos em Flora, de Carpeaux, "uma das obras-primas da coleção Gulbenkian", entre as figuras acocoradas, ou na Mãe Bretã, de Aimé-Jules Dalou, testemunho da introdução do realismo na escultura francesa. A comissária conta que "o artista esteve exilado em Inglaterra [uma vez que tinha participado na Comuna]. Começa a fazer obras de carácter intimista e a partir de uma iconografia associada à arte cristã. Esta obra desta camponesa é, no fundo, a nossa visão habitual da Virgem"..Terminamos no núcleo Figura de Pé, e não por acaso. Lá está A Idade do Bronze, de Rodin, "que muda completamente a figura de pé. Foi acusado de fraude, de ter feito o molde a partir de um modelo vivo, tal é o realismo da figura. Ele veio a provar posteriormente que não era assim, que tinha fotografias e estudos em gesso. Foi uma obra marcante"..Também lá está o adolescente de Maillol, que olha para baixo, contrastando com o deus Apolo, de Jean-Antoine Houdon. Terminamos com Joseph Bernard, pois, diz Luísa Sampaio "a nossa última exposição de escultura anterior ao século XX data de 1992" e tinha justamente obras suas. Pose e Variações - Escultura em Paris no Tempo de Rodin estará patente até 4 de fevereiro..No Espaço Projeto do Museu Gulbenkian está ainda a exposição de A a C, que mostra trabalhos de Al Cartio e Constance Ruth Howles com curadoria dos artistas Ana Jotta e Ricardo Valentim.