Quando a guerra não permite distinguir amigos e inimigos
Quem viu a produção bósnia Terra de Ninguém, de Danis Tanovic, vencedora do Óscar de melhor filme estrangeiro referente ao ano de 2001, recordar-se-á que as suas peripécias ilustravam de forma muito direta o respetivo título: com a guerra em pano de fundo, vivia-se num misto de pânico e ironia em que todas as fronteiras passavam a possuir um valor relativo, porventura indecifrável. Poderá dizer-se que Um Dia Perfeito, realizado pelo espanhol Fernando León de Aranoa, corresponde a um regresso a essa "terra de ninguém": ainda em ambiente bélico, a identificação de amigos e inimigos torna-se problemática, em última instância confrontando as personagens com situações em que a sua sobrevivência pode estar em jogo.
O filme possui as virtudes (e também as limitações) de uma abordagem que se quer, de uma só vez, realista e simbólica (pesadamente simbólica, convém dizer). Tudo se passa pouco depois da assinatura dos acordos de Dayton que, em novembro de 1995, puseram fim à guerra da Bósnia. Seguimos as atribulações de uma equipa internacional de auxílio humanitário que começa por tentar resolver um problema com importantes consequências práticas: é preciso retirar um cadáver de um poço de uma zona rural, de modo a poder purificar a respetiva água, tão importante para a população local...
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Os protagonistas distinguem-se pela experiência no terreno. Há os veteranos, encarnados por Benicio Del Toro e Tim Robbins, e também a principiante, personagem algo esquemática a cargo da francesa Mélanie Thierry. Fica-se, aliás, com a sensação de que a escolha de um elenco multinacional, para além das suas motivações realistas, decorreu sobretudo da procura de uma maior abrangência comercial. Tal opção faz mesmo com que a personagem interpretada pela ex-modelo Olga Kurylenko (francesa de origem ucraniana que vimos, por exemplo, em A Essência do Amor, de Terrence Malick) tenha uma função pouco mais que decorativa.
Em última instância, Um Dia Perfeito reflete as ambiguidades de uma estratégia de internacionalização há muito adotada pela produção espanhola: as peculiaridades da situação abordada são "filtradas" por um modelo narrativo apostado em abrir espaços de difusão nos mais diversos mercados. Mesmo reconhecendo o valor humanista da "mensagem" do filme, fica-se com a sensação de que o trabalho de Aranoa foi mais interessante e, sobretudo, mais genuíno quando abordou contextos especificamente espanhóis. Exemplo? O filme Às Segundas ao Sol (2002), com Javier Bardem e Luis Tosar, centrado num grupo de desempregados em Vigo.