Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência
A comissão de inquérito à gestão política da TAP está transformada numa ópera bufa com traços do mais burlesco que seria possível imaginar. A questão é que, ao contrário das originais, que servem para caricaturar o mundo, este libretto existe mesmo, está a escrever-se todas as semanas em direto diante dos portugueses, é real, e trata de assuntos sérios. E mostra um governo sem noção, um país sem emenda, uma "elite" sem perdão e revela os bastidores da "política", que deixa de boca aberta os cidadãos pagantes de impostos.
Durante várias décadas as comissões parlamentares de inquérito de pouco ou nada serviam ou adiantaram. Eram vistas como uma perda de tempo, uma quase obrigação dos parlamentares, uma maçadoria formal. A perceção pública mudou com as CPI"s dedicadas à banca, especialmente ao BES. E, por uma vez, nós, os que estamos cá fora do parlamento, olhámos para o trabalho dos deputados numa CPI com reconhecimento, gratidão e uma sensação de dever cumprido. É também por esta razão que as CPI ganharam outra importância, se tornaram objeto de atenção por parte da opinião pública e passaram a merecer crédito.
Nesta, na da TAP, temos observado, com pasmo, uma sucessão de episódios grotescos, que revelam impreparação dos governantes, pouco cuidado na gestão da coisa pública, descuido nos procedimentos formais a que os governantes estão sujeitos e uma ligeireza quase criminosa na forma como quem governa se apropria do estado, das instituições e das empresas públicas como se fossem delas donos e não guardiães.
Citaçãocitacaoum dos oráculos de Costa, Carlos César, já veio avisar de que é preciso fazer uma remodelação, setor a setor, ministério a ministério. Se César o disse, Costa o fará, certamente
Os acontecimentos da última semana, passados já fora da CPI mas que remetem -- ou iriam remeter -- lá para dentro e que envolvem um (agora) ex-adjunto do ministro são o mais recente ato da ópera bufa. Lê-se, e não se acredita. Escuta-se, e não e entende. Olha-se, e o que nos é dado a ver é tão estranho, inverosímil e surpreendente que, definitivamente, parece que entramos num universo paralelo. Um adjunto exonerado que supostamente "agride" colegas de trabalho; a PSP que é chamada ao ministério, e "deixa sair", palavras do ministro, o agressor; as versões não coincidentes dos diversos elementos da PSP que estiveram, em diversos momentos, no ministério; a saga do computador roubado; o conselho de alguns ministros para que o ministro das infraestruturas acionasse o SIS (!) para recuperar o aparelho "roubado" que, afinal, tinha hora marcada para ser devolvido; as trocas de mensagens e emails que se tornaram públicas e que revelam a tal impreparação, ligeireza e descuido na gestão pública. E, por fim, um ministro de verbo fácil e habituado ao combate, atrapalhado, a tropeçar nas próprias palavras, sem firmeza em muito do que disse, a tentar apenas ficar agarrado ao lugar. Enquanto isso, o primeiro dos ministros nada diz. Ou nada nos diz, a nós, publicamente. Porque um dos oráculos de Costa, Carlos César, já veio avisar de que é preciso fazer uma remodelação, setor a setor, ministério a ministério. Se César o disse, Costa o fará, certamente. Entretanto, Marcelo, repetiu cinco vezes que antes de nos falar sobre (mais) este caso terá de falar primeiro com o Primeiro-Ministro. O que, se não for antes, acontecerá na quinta-feira, na habitual reunião semanal. E, como já fez questão de dizer, matérias de "estado" terão de ser tratadas "discretamente".
Na programação regular dos canais de televisão deviam constar as sessões já agendadas da Comissão de Inquérito Parlamentar à gestão política da TAP. O libretto continua a escrever-se e, ao contrário do que acontece com a ópera bufa, neste caso, não só não dá vontade de rir como não se pode escrever no final que a semelhança entre o que acabamos de assistir e a realidade é mera coincidência.
Jornalista