Putin e o direito internacional
Raras vezes o direito internacional tem sido tão citado e, ao mesmo tempo, tão irrelevante.
Desde logo, por Putin. No seu discurso à nação, citou várias vezes o direito internacional tendo inclusivamente teorizado sobre o Tratado da NATO. Mais tarde, na chamada "declaração de guerra", invocou a Carta das Nações Unidas e o acordo de amizade entre as denominadas "República de Donetsk" e "República de Lugansk" para tentar justificar o ataque em larga escala que desencadeou na Ucrânia.
De outro lado, vários líderes mundiais falam de violações grosseiras do direito internacional e da Carta das Nações Unidas.
Quem terá razão?
A Carta das Nações Unidas proíbe a guerra e o uso da força com toda a clareza. Ao desencadear um ataque em larga escala como fez, a Rússia viola frontalmente a Carta, e sabe disso.
Sucede que a Rússia - ou a URSS - é um membro fundador das Nações Unidas, com assento como membro permanente no Conselho de Segurança, pelo que não quererá ser vista na cena internacional como um Estado pária que não cumpre de forma evidente o direito internacional.
Daí a tentativa ardilosa de Putin de condicionar o discurso, desde logo ao reconhecer a independência daquelas duas regiões da Ucrânia, o que aliás foi qualificado como "genial" por Trump.
É que, nesse caso, a Rússia não estaria a invadir a Ucrânia, mas simplesmente a garantir a segurança daquelas duas "nações" aliadas.
Os acordos de Minsk, de 2014, dos quais Rússia e Ucrânia são signatárias, determinam que aquelas duas regiões integram a Ucrânia, embora com um elevado grau de autonomia e eleições próprias.
Ainda que Putin invoque que a Ucrânia não cumpriu estes acordos, não lhe cabe a ele, unilateralmente, declarar a sua ineficácia e agir como se não existissem, totalmente à margem do Direito Internacional.
Em suma: a Rússia está a violar grosseiramente o direito internacional.
A Carta das Nações Unidas prevê, no seu capítulo VII, medidas de manutenção de paz que podem incluir operações militares no terreno. Mas estas medidas terão de ser determinadas pelo Conselho de Segurança, cuja mais recente reunião foi absolutamente inconclusiva. E isto por uma razão simples: a Rússia é membro permanente e bloqueará, como é obvio, qualquer decisão nesse sentido, uma vez que possui direito de veto.
Por outro lado, de acordo com a mesma Carta, a Ucrânia tem direito à legítima defesa, o que estará a exercer com grande coragem e sacrifício para as suas forças militares e população civil.
Caso a Ucrânia fizesse parte da NATO, essa legítima defesa individual passaria a coletiva, e os restantes membros da NATO seriam obrigados a repelir a agressão russa em simultâneo com as forças ucranianas. Mas a Ucrânia não é membro da NATO e esta organização já declarou que não iria usar força militar em território ucraniano, sem prejuízo da prontidão das forças de dissuasão já deslocadas para a região.
Restam assim as sanções económicas.
É importante recordar que a comunidade jurídica internacional tem, no pós 11 de Setembro, e como forma de combate ao terrorismo, sofisticado os mecanismos de controlo de financiamento e de branqueamento de capitais. Quer isto dizer que é hoje possível controlar os ativos financeiros com grande precisão e em tempo real.
Sendo a Rússia de Putin uma oligarquia, o controlo dos ativos financeiros dos oligarcas no Ocidente pode ser um mecanismo bem mais eficaz e rápido de dissuasão do que as sanções económicas que irão pesar sobre a economia russa.
Em qualquer caso, a comunidade internacional tem de ser criativa neste caso e recorrer aos poucos instrumentos que tem à sua disposição se não quer confirmar a irrelevância do Direito Internacional, que parece evidente neste momento.
Professor da Universidade Católica Portuguesa