Putin e nós: de mal a pior, perigo!

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Estamos agora num novo patamar, bem mais perigoso, da crise iniciada por Vladimir Putin há cerca de uma semana. As sanções adotadas pelos países da UE e pelos seus aliados, a colocação no estado de alerta das forças russas de dissuasão nuclear, a entrada da Bielorrússia no confronto, ao abolir a sua neutralidade nuclear, e sobretudo a expansão em larga escala da agressão militar contra a Ucrânia, incluindo o ataque a alvos civis, tudo isto conduz ao agravamento da tensão entre Putin e a nossa parte do mundo.

O momento exige prudência máxima. O apoio em meios militares à Ucrânia, por exemplo, deve ser feito sem declarações grandiloquentes. Ajudar, sim, mas sem alimentar o fogo da retórica, sem dar a oportunidade ao adversário de utilizar as nossas palavras para se justificar perante a sua opinião pública e proceder a uma nova escalada. Esta é uma mensagem que aqui deixo para Ursula von der Leyen e os outros dirigentes europeus.

O momento também exige firmeza absoluta na aplicação das sanções económicas e financeiras que foram decididas este fim de semana.

A questão do SWIFT é particularmente importante. Mesmo sem incluir o gás e o petróleo russos. As lições que retiro de casos passados recentes - Coreia do Norte, Venezuela e Irão - revela que uma grande parte do comércio externo do país sancionado fica suspensa. O impacto sobre o PIB e o dia-a-dia da economia é enorme. O sistema de pagamentos internacionais deixa de funcionar e as alternativas são escassas e complexas. As trocas comerciais, que nos dias de hoje sustentam o nível de vida dos cidadãos, diminuem drasticamente.

Assim irá acontecer agora. A Rússia criou no passado recente um sistema independente do SWIFT, mas o número de bancos aderentes não ultrapassa as duas dezenas. E esses bancos, ao terem em conta as medidas de exclusão agora decididas, irão certamente hesitar no que respeita a transações com a Rússia, com receio das penalidades e restrições conexas. O mais seguro, em termos de negócios, é deixar de ter relações bancárias com o sistema russo.

Mais importante ainda é a decisão de bloquear muitas das operações do Banco Central da Rússia. Putin contava com os 630 mil milhões de dólares que esse banco tem como reservas em divisas e em barras de ouro. O problema é que uma boa parte dessas reservas - pelo menos 50% do total - se encontra depositada noutros bancos centrais, em países que agora adotaram o regime de sanções. No Japão, na Alemanha, em França, nos EUA, no Reino Unido, na Áustria. O acesso a esses depósitos fica congelado.

Para além destas reservas, o Banco Central da Rússia detém nos seus cofres barras de ouro na ordem das 3300 toneladas. Poderá tentar vender uma boa parte. Mas com as sanções em vigor, os compradores, mesmo sendo chineses, enfrentarão um grande risco, quando mais tarde tentarem comercializar esse ouro. Por isso, só comprarão as barras se a Rússia oferecer um desconto em relação ao valor atual do mercado, desconto esse que poderá ser da ordem dos 30% ou mais. Assim, o que valeria nas condições presentes cerca de 190 mil milhões de dólares americanos poderá, no máximo, permitir arrecadar 130 mil milhões.

Estas sanções provocarão uma desvalorização contínua da moeda nacional, o rublo, que aliás já perdeu cerca de 30% em relação ao dólar. Levarão, também, à desestabilização do funcionamento dos bancos comerciais do país. Estamos a entrar naquilo a que chamaria a "venezuelização" do sistema financeiro russo. Ora, isso tem enormes custos políticos. A narrativa europeia tem de conseguir explicar à população russa o que está por detrás de tudo isto: a política irresponsável e criminosa de Vladimir Putin.

As sanções já estão a contribuir para o isolamento internacional do país. Ora, os ditadores não gostam de ser empurrados contra a parede nem de becos sem saída. Isso explica o novo grau de brutalidade da ofensiva contra a Ucrânia. Putin precisa de uma vitória militar sem mais demoras, mesmo à custa de crimes de guerra. Pensa que, a partir daí, poderá negociar com mais força com os europeus e os americanos. Devemos dizer-lhe que está redondamente enganado.


Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral adjunto da ONU

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