"Uma traição inadmissível." Foi desta forma que a Arran, a organização de juventude dos independentistas da Candidatura de Unidade Popular (CUP) que apoia o governo catalão, reagiu à declaração do presidente da Generalitat. No Parlamento, Carles Puigdemont usou uma fórmula dúbia para declarar a independência e a República da Catalunha, apenas para pedir a suspensão dos seus efeitos e apelar ao diálogo. Para o governo de Mariano Rajoy houve uma "declaração implícita" de independência - apesar de nem todos o terem entendido como tal. Para tirar dúvidas, Puigdemont assinou mais tarde uma declaração de independência junto com todos os deputados do Junts pel Sí e da CUP.."Chegados a este momento histórico, e como presidente da Generalitat, assumo ao apresentar os resultados do referendo diante do Parlamento e dos nossos concidadãos o mandato de que a Catalunha se converte num Estado independente em forma de República", disse Puigdemont no discurso, indicando que é o que lhe cabe fazer "por responsabilidade e respeito". Contudo, o líder do governo catalão propôs que o Parlamento "suspenda os efeitos da declaração de independência para que, nas próximas semanas, realizemos um diálogo sem o qual não será possível chegar a uma solução acordada"..Puigdemont disse que não estava no Parlamento para dar "uma opinião pessoal", mas a falar dos resultados do referendo de 1 de outubro. E que as urnas disseram que "Sim" a independência, pelo que esse é o caminho que está disposto a recorrer. Contudo, acrescentou, "todos devemos assumir a nossa responsabilidade para travar a escalada da situação. Não contribuirei com a palavra nem com o gesto para a aumentar"..Para o governo espanhol, "uma declaração implícita de independência seguida de uma suspensão explícita não é admissível". Rajoy assistiu ao discurso no palácio da Moncloa, reunindo de imediato com a número dois do governo, Soraya Sáenz de Santamaría, e o ministro da Justiça, Rafael Catalá, para discutir os próximos passos. O secretário-geral socialista, Pedro Sánchez, foi chamado mais tarde a reunir também com Rajoy - que hoje preside a um Conselho de Ministros extraordinário às 09.00 (08.00 em Lisboa) e à tarde vai ao Congresso.."Puigdemont mergulhou a comunidade autónoma num maior nível de incerteza", disse Santamaría aos jornalistas. "Nem Puigdemont nem ninguém podem tirar conclusões de uma lei que não existe, de um referendo que não ocorreu e de uma vontade do povo da Catalunha que, uma vez mais, querem apropriar-se", afirmou a número dois de Rajoy. Sobre a mesa estará a aplicação do artigo 155.º da Constituição, que na prática suspende a autonomia, podendo ainda aplicar-se o 166.º, com uma declaração do estado de exceção que limita alguns direitos fundamentais..Mas não foi só em Madrid que a declaração foi condenada. Em Barcelona, a CUP (que garante a maioria ao governo do Junts pel Sí) mostrou o seu desagrado, falando numa "oportunidade perdida". A porta-voz, Anna Gabriel, falou no Parlamento para dizer que tinha previsto uma declaração bastante diferente, lembrando que "não podemos suspender a vontade de dois milhões de catalães" que votaram no referendo a favor da independência..Mais tarde, foi Anna Gabriel uma das responsáveis por ler a "declaração dos representantes da Catalunha" assinada pelos deputados do Junts pel Sí e da CUP - que proclama a independência mas não inclui qualquer referência à suspensão defendida pelo presidente da Generalitat. "Constituímos a república catalã, como Estado independente e soberano, de Direito, democrático e social", diz o texto de quatro páginas. Não é clara a validade jurídica de tal documento, que pede ao governo catalão que tome todas as medidas necessárias para tornar possível e plenamente efetiva a declaração de independência. "A CUP não permitirá que a legislatura acabe de outra forma que não seja a aplicação dos resultados do referendo", indicou depois Gabriel..O discurso de Puigdemont estava marcado para as 18.00 (17.00 em Lisboa), mas acabaria por ser adiado uma hora precisamente devido às divergências da CUP em relação à mensagem. Quando o presidente da Generalitat acabou de discursar, os dez deputados da formação independentista radical não aplaudiram. No Twitter, a juventude a CUP foi ainda mais longe: "Devíamos ter proclamado a independência. O mandato popular do 1 de outubro era claro e continua a ser", escreveu a Arran numa mensagem. "Estamos a testemunhar uma traição inadmissível", indicaram, falando de "raiva e indignação" nas ruas..A ideia de suspender a declaração de independência não é nova: em 1990 a Eslovénia fê-lo com o objetivo de negociar um referendo acordado com Belgrado (capital da ex-Jugoslávia) e ganhar tempo até que surgirem os reconhecimentos internacionais. Da parte da Catalunha, contudo, não tem havido qualquer apoio internacional, com vários países a pronunciarem-se por uma Espanha "unida"..No Parlamento catalão, os partidos foram tomando posições. A líder da oposição, Inés Arrimadas, do Ciudadanos, falou de uma "declaração de independência em diferido, suspensa ou a prazos" para acusar Puigdemont de dar "um golpe à democracia". Já o líder dos socialistas catalães, Miquel Iceta, afirmou que "não se pode suspender uma declaração que não foi feita". O responsável do Partido Popular catalão, Xavier García Albiol, questionou que tipo de diálogo quer Puigdemont, explicando que este não pode ser sobre o quando ou o como da independência . Para o Podemos, contudo, não houve qualquer declaração unilateral. A partir de Madrid, Pablo Iglesias agradeceu a Puigdemont ter "atuado com sensatez" e apelou ao diálogo, pedindo ao governo espanhol que não aplique o artigo 155.º.