Publicação de transferências para offshores vai ser lei
A divulgação pública das transferências financeiras para offshores vai passar a ser obrigatória por lei. Este é um dos quatro diplomas ontem aprovados no grupo de trabalho parlamentar que tem estado a debater novas medidas de combate à criminalidade económica, financeira e fiscal. Mas a maior parte das propostas que estavam em cima da mesa, sobretudo da autoria do PCP, ficaram pelo caminho.
O projeto de lei do Bloco de Esquerda que obriga à "publicação anual do valor total e destino das transferências e envio de fundos para países, territórios e regiões com regime de tributação privilegiada" foi aprovado no grupo de trabalho por socialistas, bloquistas e sociais-democratas, o que deixa antecipar a aprovação em plenário do diploma.
A proposta, que já remonta a abril de 2016 (o próprio grupo de trabalho foi constituído em junho do ano passado), ganhou nova atualidade com a polémica em torno da não publicação dos dados estatísticos de transferências para offshores, a partir de 2011 e até 2015 - uma decisão do anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, que ignorou um despacho do seu antecessor no cargo (Sérgio Vasques) que ditava a divulgação pública das estatísticas (que ocorreu apenas em 2010). Um caso que ganhou contornos de escândalo perante a notícia de que dez mil milhões de euros transferidos para paraísos fiscais, entre 2011 e 2014, não tiveram qualquer controlo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Com a publicação em lei do projeto ontem aprovado no grupo de trabalho (que terá ainda de ir a votação final), a divulgação passa a ter caracter obrigatório, deixando de depender de decisão da tutela.
Mais de 3000 euros só por cheque
Além da publicação obrigatória das transferências para offshores, o grupo de trabalho aprovou também a proibição de pagamentos em numerário de valores acima dos 3000 euros. A partir da aprovação desta lei qualquer transação que envolva montantes superiores terá de ser feita por cheque ou transferência bancária, como forma de identificar os intervenientes. A mesma regra será válida para transações em moeda estrangeira e aplica-se tanto a empresas como a particulares. Um terceiro diploma aprovado ontem, também com origem no PS, proíbe a emissão de valores mobiliários ao portador, que terão de passar a ser nominativos.
Por último, foi também aprovado um projeto do Bloco de Esquerda que impõe a obrigatoriedade do registo dos acionistas, mas também dos beneficiários efetivos de participações em sociedades financeiras, mas com uma alteração à proposta inicial dos bloquistas. O Bloco defendia a identificação das participações acima dos 2%, mas o PS só aceitou a medida pondo a fasquia nos 10%.
Aumento da tributação chumbou
Pelo caminho ficaram várias outras propostas - o grupo de trabalho tinha 14 em cima da mesa -, sobretudo do PCP. Nomeadamente o agravamento das taxas de tributação de rendimentos, em sede de IRS, IRC e imposto do selo nas transferências para entidades sujeitas a regimes fiscais claramente mais favoráveis.
Ou seja, não apenas offshores, mas também para Estados que ofereçam "elevadas vantagens tributárias a grupos económicos e financeiros e a detentores de grandes fortunas e patrimónios mobiliários e imobiliários". No texto proposto, os comunistas dão exemplos: "A Holanda, o Luxemburgo, a Alemanha, a Bélgica, a Irlanda e a Áustria - apenas para referir alguns - são conhecidos por oferecerem vantagens ao parqueamento de fachadas de grupos económicos, SGPS gestoras de fortunas ou de acolherem poupanças sem questionarem a origem do dinheiro e oferecendo elevadas vantagens tributárias." Neste contexto, o PCP sublinha que em Portugal, "das empresas registadas no PSI 20, apenas uma não tinha uma sociedade gestora das participações sociais do grupo económico, ou dos principais acionistas, sedeada ou parqueada num outro país da União Europeia, como forma de obtenção de vantagens tributárias e financeiras".
Outro projeto que foi chumbado limitava as transações ocasionais com offshores e proibia-as, de todo, com paraísos fiscais não cooperantes (ou seja, que não prestam informação sobre as operações financeiras). Pelo caminho ficou ainda uma proposta do CDS que proibia transações em dinheiro vivo acima dos mil euros.
Na comissão vão continuar dois outros projetos do PCP, um primeiro que redefine as condições em que uma sociedade é considerada residente em Portugal para efeitos tributários, e uma segunda proposta que alarga a atual definição legal de "regime fiscal claramente mais favorável".