PT faz contas à base aliada para travar impeachment
Depois de quase um ano a pairar, o avanço do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff anunciado na quarta-feira à noite pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha levou o Brasil a um clima de tudo ou nada. Agora, as forças leais ao governo e a oposição vão lutar nos próximos meses, deputado a deputado, pela continuidade ou bloqueio do processo de destituição. Dilma declarou-se "indignada" com a decisão de Cunha, que, por sua vez, chamou a presidente de "mentirosa". O ambiente de guerrilha em Brasília em breve deve tomar as ruas em forma de manifestações pró e contra o impeachment.
"Estou indignada, as acusações são improcedentes contra um governo democraticamente eleito, não paira contra mim suspeita de desvio de dinheiro público, não possuo contas no estrangeiro", disse Dilma, referindo-se indiretamente a Cunha, que responde por suspeitas de corrupção na justiça no âmbito do petrolão e por falta de decoro no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
Foi na sequência da decisão dos três deputados do PT de votarem pela perda de mandato de Cunha no Conselho de Ética que o líder da Câmara anunciou a aceitação do impeachment contra Dilma, assinado por três juristas, entre os quais Hélio Bicudo, fundador do PT, e sustentado pelo crime de "pedaladas fiscais", ou seja, manobras para disfarçar o défice das contas do governo.
"Não foi retaliação, é uma decisão técnica e agi em conformidade com as ruas", afirmou Cunha ainda antes da resposta da presidente. Após o pronunciamento desta, o líder legislativo acusou-a de mentir.
O que levou os deputados petistas a agir contra Cunha e despertar a sua ira é ainda motivo de especulação entre os analistas. "Ao concluir que o governo, a presidente, o ex-presidente Lula da Silva e o próprio partido estavam fadados para ser reféns de um chantagista, o PT decidiu partir para o vai ou racha; chantagens não têm fim, votações de impeachment têm, para o bem ou para o mal", sugere a colunista de O Estado de S. Paulo Eliane Cantanhêde.
Voto a voto
No campo prático, o passo seguinte do processo é a constituição de uma comissão formada por parlamentares de todos os partidos que irá analisar o pedido; a presidente tem então um prazo de dez sessões da Câmara para se defender; segue-se a resposta da comissão que, se se decidir pela abertura do processo, o coloca à votação do plenário da Câmara, onde terá de ser aprovado por dois terços dos deputados para passar a ser discutido pelo Senado. Em caso de nova aprovação na câmara alta, a che-fe do Estado é destituída e substituída pelo seu vice-presidente.
Ou seja, para bloquear o avanço do impeachment o governo terá de garantir o apoio de 171 deputados dos 583 que constituem a Câmara - e a oposição o inverso. "Desde a eleição de Cunha, o governo sabe que só conta com 130 realmente leais", afirma Igor Gielow, diretor da sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo. O PMDB, partido de Cunha e do vice-presidente Michel Temer, que herdaria a presidência e ainda não se pronunciou publicamente, já deu sinais de que pode votar com a oposição. Pequenos partidos de esquerda críticos de Dilma, mas ainda mais de Cunha, podem ser providenciais para a presidente.
O processo, no entanto, pode durar meses porque, em primeiro lugar, o PT pediu um mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal contra o impeachment e, depois, porque o Parlamento entra em período de férias de Natal nos próximos dias.
Aécio: "Não é golpe"
O candidato derrotado por Dilma em 2014, o presidente do PSDB Aécio Neves, sublinha que o "impeachment não é golpe". "Nós apoiamos o pedido para que ele tramite normalmente aqui, isso está previsto na Constituição, logo, não é golpe, o trabalho dos três subscritores do pedido é muito consistente", prosseguiu.
Com a cotação do dólar a cair suavemente após o anúncio de Cunha, a maioria dos empresários do país ouvidos pela imprensa encararam com naturalidade o pedido. "Não sei se o afastamento melhora a economia, mas devemos ter uma solução, nenhum país aguenta viver eternamente num impasse", disse Humberto Barbato, representante da indústria eletrónica. Ricardo Patah, da força sindical UGT, considera "descabida" a aceitação do pedido "por não haver nada que comprove uma gestão fraudulenta".
No passado, o presidente Fernando Collor de Mello foi destituído via impeachment, em 1992, num processo que durou 30 dias. Em 1954, um impeachment contra Getúlio Vargas não passou. Fernando Henrique Cardoso também sofreu pedido semelhante, em 1999, mas sobreviveu politicamente até 2003.
Em São Paulo