PT fala em "prisão política" e "república das bananas"
"Uma noite trágica", segundo o Partido dos Trabalhadores (PT), resultou numa "prisão política" que expõe o Brasil ao mundo como "uma república das bananas". A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de rejeitar o habeas corpus pedido por Lula da Silva, e com isso quase sentenciar a sua prisão e a sua inelegibilidade nas presidenciais de outubro, mereceu reação forte do PT no dia seguinte ao plenário.
O PT pretende mesmo assim manter o antigo presidente na corrida até ao limite do possível, nem que seja na condição de preso, para depois pedir aos eleitores a transferência de votos na reta final de campanha para Fernando Haddad ou Jaques Wagner, planos alternativos do partido, ou para um candidato da mesma esfera ideológica, como Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), ou Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Foi o que resultou de uma reunião que incluiu o próprio Lula, a ex-presidente da República Dilma Rousseff e a presidente do PT Gleisi Hofmann, e que decorreu na sede do Instituto Lula, em São Paulo, curiosamente o objeto do próximo processo contra o líder nas sondagens por supostos benefícios na aquisição do terreno.
"Ao negar ao maior líder popular do país um direito que é de todo o cidadão, o de defender-se em liberdade até a última instância, a maioria do STF ajoelhou-se ante a pressão escandalosamente orquestrada pela Rede Globo", defendeu ainda o PT. A guerra entre o PT e os principais grupos de comunicação do país, sobretudo o grupo Globo, é longa. Antes deste episódio, o próprio Lula dissera que até Michel Temer, atual presidente da República, foi vítima de tentativa de golpe da Globo durante o escândalo da gravação do empresário do setor das carnes Joesley Batista, em maio passado. Nas eleições de 1989, um debate entre Lula e Collor de Mello em diferido foi editado pela emissora para supostamente favorecer o rival do sindicalista.
Os advogados de Lula, ao contrário do seu cliente, também reagiram mas com cautela. "Para já não há análise ao que aconteceu, primeiro precisamos refletir sobre o que ouvimos em cada voto dos juízes", disse José Roberto Batocchio. Segundo Sepúlveda Pertence, que já foi membro do STF, é hora de definir estratégias: "Somos uma equipa de defesa, temos de nos sentar e discutir."
Outros advogados, de réus na Lava-Jato e de outras operações policiais, entraram entretanto ontem com um pedido de liminar no STF para impedir prisão de condenados em segunda instância, na sequência do julgamento da véspera do habeas corpus de Lula.
Lula passou as mais de dez horas de votação no STF - um recorde de duração - no segundo andar do edifício do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, onde iniciou a sua carreira pública. Chegou perto do meio-dia, ou seja, duas horas antes do início da sessão, perante aplausos de cerca de 400 apoiantes e fechou-se numa sala devidamente forrada para que os seus movimentos não fossem vistos do exterior.
Nessa sala estavam Fernando Haddad, um dos seus prováveis substitutos nas eleições, Natália Boulos, a mulher de Guilherme Boulos, candidato presidencial do PSOL, Luiz Marinho, fiel amigo e candidato ao governo de São Paulo, e a ex-presidente Dilma Rousseff. A sucessora de Lula na presidência da República, aliás, deve ter engolido em seco ao verificar que todos os quatro juízes do STF nomeados por si votaram pela rejeição do habeas corpus. Os outros dois votos contrários a Lula foram de Carmen Lúcia, indicada por Lula, e de Alexandre de Moraes, escolhido por Temer. Entre os cinco que apoiaram a defesa do antigo presidente estavam dois nomeados na sua gestão, um sob José Sarney, outro no consulado de Collor de Mello e outro indicado por Fernando Henrique Cardoso.
Conta reportagem da BBC Brasil que, ao almoço (bifes com arroz e feijão) e ao jantar (piza e coca-colas), um pequeno grupo de agricultores ensaiou batucadas em redor da sala onde Lula se encontrava. Descontraído, o antigo presidente comentou as incidências do Corinthians--Palmeiras, da final do campeonato paulista, e o golaço de bicicleta de Cristiano Ronaldo, em Turim, enquanto os juízes votavam. Eram 23.30 quando Lula, depois de anunciar que não se pronunciaria, saiu de carro do Sindicato dos Metalúrgicos em direção a sua casa, a cerca de um quilómetro dali, após mais uma derrota em tribunal.
Em São Paulo