Trabalhava numa pastelaria, mas as suas mãos criavam repulsa a clientes e até ao patrão. Do balcão, passou a ficar fechada na cozinha e quando inspeção foi ao local, até lhe pediram para não ir trabalhar. Chegou ao ponto que nem o filho queria abraçar. Um senhor só queria ter o seu restaurante, mas a doença afetou-o de tal maneira que chegou a amaldiçoar-se e até disse à mulher para procurar outro. Estes são dois exemplos de como a psoríase pode ir muito além de uma doença inflamatória crónica da pele. É o desconhecimento que leva a casos de discriminação ou então de sofrimento por parte do doente que ao não saber o que tem, tem dificuldades em viver com a sua pele.."A pele que tenho em mim" não é apenas uma peça de teatro, é uma chamada de atenção para uma doença que afeta cerca de 2 a 3% da população mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde, qualquer coisa como 200 mil em Portugal. Muitas pessoas nem sabem que têm a doença até que esta se manifesta, por exemplo, devido a situações de stress. Muitas mais desconhecem de todo o que é a psoríase, que se pode apresentar com lesões vermelhas e descamativas, muitas vezes localizadas nos joelhos, cotovelos e couro cabeludo, embora possa manifestar-se noutras partes do corpo. Como as mãos, uma zona tão visível.."A noção errada que pode ser contagiosa leva a uma certa repulsa. O próprio doente poderá ter vergonha da doença e esconde-se. Isso causa problemas a nível psicológico", disse ao DN Jaime Melancia. O presidente da PSOPortugal-Associação Portuguesa da Psoríase não se cansa de salientar como a doença não é contagiosa, uma mensagem importante que espera que esta peça de teatro ajude a transmitir. "Este projeto apareceu numa tentativa de fazer chegar a um número muito grande de pessoas a realidade de quem tem psoríase, incluindo a quem decide às questões relacionadas com a saúde", explicou o responsável..Os meios culturais são vistos como uma forma ideal para fazer passar a mensagem e os atores Bernardo Gavina e Joana Mont'Alverne esperam que possam fazer a diferença. O primeiro sabe bem o que é a psoríase, pois tem familiares com a doença, já a jovem atriz (24 anos), já tinha ouvido falar, mas desconhecia a sua complexidade e o que poderia provocar a quem a tem. "Fazer esta peça é um pouco diferente. Estamos a falar de uma doença. É preciso ter cuidado como abordamos este assunto. Não é só o texto, mas a forma como o dizemos é muito importante porque podemos ferir susceptibilidades", referiu Bernardo Gavina (23)..O ator falou com os familiares, mas foi ao ter conhecimento de outros casos que percebeu que havia situações de discriminação. Ambos conheceram pessoas que não imaginavam ter psoríase. A atriz revela mesmo uma colega que pensava que simplesmente tinha caspa. "Não tinha conhecimento da doença. Apenas superficial. Não se sabendo o que é, tira-se conclusões precipitadas. Faz-se um julgamento errados das coisas", contou. Joana fez a sua pesquisa e agora diz sentir-se preparada para não só tentar tocar as pessoas com a sua atuação em palco, mas mesmo em casos reais poder ajudar a informar. "Acho que o teatro é uma forma de mostrar a coisas de forma diferente. O teatro pode criar empatia. É a forma indicada de chegar às pessoas", realçou Joana, acreditando que esta peça poderá de facto fazer a diferença..Assim esperam os quatro atores e o encenador, Pedro Fiúza. Admitiu que tal como Joana Mont'Alverne não conhecia a doença. O desafio foi apresentado à ACE-Teatro do Bolhão, sendo uma iniciativa do grupo farmacêutico Novartis, em colaboração com PSOPortugal e a Infraestruturas de Portugal. Pedro Fiúza realçou como não queria apresentar algo que se parecesse com uma lição. "Quando se trabalha coisas muito reais em palco, há sempre o perigo de ter uma atitude paternalista", explicou. Acrescentou que procurou a que se assista "a algo sensível"..Se a discriminação é uma palavra forte e muito retratada na peça, um dos objetivos passa por mostrar como as personagens superaram a doença com determinação, deixando, por isso mesmo, a mensagem de esperança. Afinal estar-se bem consigo própria é por si só uma ajuda para controlar uma doença que não tem cura, mas tem tratamento.."Tenho uma doença, não posso?", questiona uma das personagens. Outra pede se não lhe podem dar a informação em vez de lhe darem medo. Informação é uma palavra chave. E informar é o que a PSOPortugal tenta fazer, além trabalhar junto do poder político. "Já ganhámos algumas lutas. Há dez anos não havia medicamentos comparticipados", salientou Jaime Melancia. O responsável referiu ainda questões como a falta de dermatologistas em algumas zonas do país, e como o acesso às consultas pode ser demorado..Depois de Lisboa e Estarreja, "A pele que tenho em mim" vai passar por Lamego (24), Covilhã (14 de dezembro), Porto (15) e Alcácer do Sal (12 de janeiro)..200 mil doentes sofrem de psoríase em Portugal. 120 mil estão referenciados no Sistema Nacional de Saúde..Não é contagiosa.A psoríase é uma doença não contagiosa que não tem cura, mas dispõe de tratamentos que podem ajudar a controlar os sintomas na maioria das situações. Há que ter em conta que cada caso é um caso. As terapêuticas são à base da aplicação de loções, cremes ou pomadas sobre a pele. É normalmente recomendado a quem tem psoríase que recorra à exposição da luz solar, pois esta induz uma melhoria na maioria dos casos..No entanto, deverá ser feita com moderação, pois as queimaduras solares agravam a doença. Um dos tratamentos é, por isso, a fototerapia, que permite a exposição da pele a fontes artificiais de luz ultravioleta. Há ainda os medicamentos sistémicos, via oral ou injetáveis. São normalmente utilizados em casos moderados ou graves e implicam um minucioso acompanhamento médico.