Psicoterapia, a tentação de "Ordenar"
Uma petição no sentido da profissionalização da atividade de psicoterapeuta, recentemente endereçada ao presidente da Assembleia da República e criada pela FEPSSI - a Federação Portuguesa de Psicoterapia - veio colocar mais uma vez na agenda a importante questão da independência da atividade dos psicoterapeutas e, quanto a mim, justifica uma reflexão acompanhada por um alerta, este último sobre tentativas recentes por parte da Ordem dos Psicólogos (OPP) de tomar de assalto uma atividade que não pertence, nem deve pertencer, à sua esfera de intervenção.
Com efeito e como é sabido, a OPP não tem qualquer jurisdição sobre a psicoterapia ou os métodos psicoterapêuticos, tal como o próprio Bastonário dos Psicólogos o afirmou em sede parlamentar, numa audição realizada em 2017. Apesar disso, têm sido várias as pressões exercidas pela OPP visando condicionar os psicólogos e a opinião pública no que à psicoterapia respeita, colocando em causa a independência desta atividade.
Como responsável pela principal entidade do setor privado a operar em Portugal no domínio da saúde mental e como membro da Sociedade Portuguesa de Psicoterapia HBM, não posso deixar de fazer uma chamada de atenção para alguns pontos fulcrais quanto a este tema. Em primeiro lugar, destacar que das muitas e variadas abordagens psicoterapêuticas resulta a necessidade de não cair em tentações unificadoras e condicionantes.
Na verdade, a liberdade autorregulada vivida no setor da psicoterapia é um modelo virtuoso, não compaginável com ortodoxias nem com a delimitação de fronteiras artificialmente traçadas. É a diversidade das abordagens terapêuticas que se pretende garantir, a bem da saúde mental dos cidadãos, por oposição ao fechamento das abordagens e a atitudes protecionistas, venham elas de onde vierem, da FEPPSI como da Ordem dos Psicólogos.
Fundamental, na nossa opinião, é assegurar que a psicoterapia se consolide como uma atividade profissional sólida, com crescente impacto económico e ainda maior relevância na intervenção em prol da saúde mental. E, para que essa missão seja cumprida com sucesso, é imprescindível conseguir equilibrar a balança entre a regulação e a liberdade. Sem pender para excessos num caso e no outro. Não permitindo tentativas de controle visando a tomada de poder do sector, mas, obviamente, não prescindindo nunca de uma liberdade orientada por valores deontológicos e formativos assentes nos critérios da exigência, da qualidade, da ética e - nunca esquecendo - das provas dadas através do sucesso verificado pelo modelo psicoterapêutico.
Em suma, importa saudar, mas também questionar, a petição agora lançada pela FEPPSI, assegurando que ela defenda os interesses de todos os profissionais de psicoterapia em Portugal e não apenas alguns. Chamando a atenção para a necessidade de manter a diferença positiva existente entre as várias abordagens formativas, associadas aos diferentes modelos terapêuticos. E nunca caindo na tentação de optar por padrões mínimos e afunilamentos metodológicos.
Por outro lado, e finalmente, releva sublinhar a necessidade de os profissionais de saúde mental saberem resistir às pressões e perseguições movidas pela Ordem dos Psicólogos, na sua tentação totalizante e apesar dos limites claramente traçados pela Lei vigente.
É o futuro da atividade de milhares de profissionais que está em causa, mas é - também e principalmente - a saúde mental dos cidadãos que se encontra agora no cerne destas movimentações, e que urge acompanhar e desmontar criticamente, sempre com o espírito de contribuir para o aperfeiçoamento da atividade de psicoterapia e para a garantia do bem-estar de todas e todos aqueles que a nós recorrem.
Diretor na Clínica da Mente