Psicólogos foram alvo de 52 sanções pela Ordem
Pelo menos três vezes, desde a criação da Ordem dos Psicólogos Portugueses, em 2010, declarações públicas dos seus membros levaram a participações ao respetivo Conselho Jurisdicional. Os três casos dizem respeito ao psicólogo Quintino Aires, que já foi alvo, em setembro de 2013 e outubro de 2014, de duas penas de repreensão registada por afirmações públicas, e tem agora um terceiro processo a correr, devido ao que disse sobre ciganos num programa da TVI a 29 de julho deste ano. As afirmações de Maria José Vilaça, presidente da Associação dos Psicólogos Católicos, sobre homossexualidade serão pois as quartas deste tipo a serem apreciadas pelo órgão disciplinar da Ordem.
Desde 2010, o conselho apreciou 350 casos, tendo decidido por sanções em cerca de 15%, correspondendo a 52. Pelo menos num caso, também relativo a Quintino Aires mas à sua prática profissional, foi decidida, em 27 de outubro de 2014, a pena de suspensão por três meses. Todas as penas aplicadas a este psicólogo, porém, foram por este impugnadas nos tribunais administrativos, estando os processos a correr, pelo que a eficácia das decisões se encontra suspensa.
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"Temos procedimentos, a Ordem é uma associação pública profissional com competência delegada pelo Estado para certificar profissionais", explica o bastonário, Telmo Mourinho Baptista. "Ninguém pode ser psicólogo sem estar certificado pela Ordem e todos os psicólogos são responsáveis por respeitar o código. E não temos discricionariedade nesta matéria: havendo queixas, compete-nos enviá-las ao Conselho Jurisdicional, que tem plena independência." Admite no entanto que, no caso de Maria José Vilaça, mesmo que não tivesse havido queixas a direção teria pedido ao CJ para se pronunciar. "É uma potencial violação do Código Deontológico, e é preciso garantir que todas as intenções sejam clarificadas."
Num artigo recente da revista Família Cristã, Maria José Vilaça equiparou, do ponto de vista dos pais, a homossexualidade de um filho à toxicodependência, qualificando a orientação sexual como "não natural" e concluindo: "Não vou dizer que é bom." Perante reações adversas, a psicóloga veio, no seu Facebook, esclarecer que não quisera comparar a homossexualidade com a toxicodependência: "A toxicodependência é apenas exemplo de comportamento que por vezes leva os pais a rejeitar o filho. Não é uma comparação sobre a homossexualidade mas sobre a atitude diante dela."
Em comunicado, publicado a 13 de novembro, já após o esclarecimento da presidente da Associação dos Psicólogos Católicos no Facebook, a OPP invoca as normas do CD: "Quando fazem declarações públicas, nas suas diversas formas - verbais ou escritas - utilizando os media ou outras formas de divulgação, os/as psicólogos/as devem observar o princípio do rigor e da independência, abstendo-se de fazer declarações falsas ou sem fundamentação científica. (...) Os/as psicólogos/as reconhecem o impacto das suas declarações junto do público, em função da credibilidade da ciência que representam." Considerando "as declarações em causa de extrema gravidade", sublinha "não se rever nas afirmações proferidas" e que "estas não representam a opinião da OPP". Adianta ainda que "não apresentam qualquer tipo de base científica e (...) apenas contrariam a defesa dos direitos humanos, da evolução e equilíbrio social, e dificultam a afirmação dos psicólogos na sociedade".
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"Todas as pessoas têm direito à sua opinião", esclarece o bastonário. "Mas quando se trata de um profissional de ciência a pronunciar-se nesse âmbito as opiniões têm de ser fundamentadas cientificamente. A psicologia é uma ciência e tem um trabalho científico rigoroso, e os psicólogos tem a obrigação de estar atualizados. Temos consensos, e a questão da homossexualidade como doença [comparável portanto à toxicodependência] foi resolvida pela American Psychiatric Association há décadas. Não estão em questão as convicções religiosas, políticas ou outras de alguém, nem nunca estiveram; o que está em causa é não deixar que essas convicções afetem o trabalho de ajuda psicológica das pessoas."
Também no caso da mais recente participação ao CJ relativa a Quintino Aires, datada de agosto, o comunicado da OPP considera as afirmações de "extrema gravidade" (o psicólogo disse que "a maioria [dos ciganos] vive dos subsídios, ou trafica droga e não trabalha") mas não faz qualquer consideração adicional.