Psicologia, propaganda e 'agit-prop' na receita

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Que era, afinal, a 5.ª Divisão? Muito simplesmente, uma estrutura militar do Estado-Maior General das Forças Armadas, inspirada nas lutas dos exércitos coloniais contra a guerrilha e que, nos vários teatros de guerra (Angola, Guiné, Moçambique), apoiava e assegurava o bom estado psicológico dos militares combatentes e dirigia acções destinadas à população civil, de modo a conduzi-las ao apoio às teses portuguesas.

Por esta janela de oportunidade formal entraram os radicais do MFA, nomeadamente os da Marinha. A 5.ª foi, inicialmente, também apoiada pelos moderados do MFA, que nela viam apenas uma estrutura de enquadramento psicopolítico dos militares, face às mudanças resultantes na estrutura das Forças Armadas.

O que os radicais pró-comunistas entenderam, com inteligência, é que, tendo este modelo colonial e formal nas mãos, poderiam - sob o chapéu-de-chuva do então popular MFA - ajustar à clássica 5.ª Divisão a fórmula dos departamentos de agit- -prop (agitação e propaganda) das organizações comunistas. A 5.ª podia, e assim o fez, "explicar" o 25 de Abril aos militares, levando-os a identificar o MFA com as teses de salvação do País pela "via certa", que faria a felicidade do povo (objectivo do 25 de Abril). E, baseados nas experiências de acção psicossocial do Exército nas colónias, "ajudar" esse povo a "entender" a revolução pelo lado da salvação pela via justa, o socialismo revolucionário.

Tal como haviam feito nas colónias as repartições de Acção Psicológica (e de apoio às populações civis), a 5.ª montou estruturas para contacto directo com as populações do Continente, destinadas a "explicar" a revolução e a apoiar, tal como no Ultramar se fizera, a melhoria das condições locais de vida. Acções sociais e culturais, realizadas com cada vez maior presença de militares de esquerda radical. Sob o uniforme escondia-se, de facto, o militante político, procurando catequizar as populações consideradas mais conservadoras e dominadas pela Igreja Católica (Centro e Norte do País) para o "lado correcto". O PCP e as forças da extrema-esquerda usavam, assim, a farda do MFA para penetrar em áreas onde seriam rejeitados pela maioria da população.

A primeira e mais relevante estrutura da 5.ª Divisão foi, assim, a Codice, Comissão Dinamizadora Central, dirigida pelo médico da Marinha Ramiro Correia (que será, depois, após o 11 de Março, graduado em capitão-de-mar-e-guerra, para dirigir toda a Divisão). A Codice, que funcionava no mesmo edifício do SDCI (Serviços de Informação do MFA, também dominados pela esquerda radical), tinha por objectivo, segundo o coronel Varela Gomes, chefe adjunto da 5.ª, a "revolução cultural" que prepararia o povo para "votar bem".

Outra área da 5.ª era o CEIP, Centro de Esclarecimento e Informação Pública, organismo que tratava da propaganda do MFA e da sua acção a nível dos media Boletim do MFA, programas de rádio e de televisão, etc. O terceiro departamento da 5.ª era o Centro de Sociologia Militar, destinado, ainda segundo Varela Gomes, "à reflexão doutrinária e preparação ideológica, numa perspectiva revolucionária, está bem de ver". Propunha-se ser o centro de criação de oficiais pró-comunistas e de comissários políticos das FA.

Nas suas instalações, onde é hoje o Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, eram preparadas e realizavam-se as assembleias revolucionárias do MFA.

Finalmente, o Centro de Relações Públicas - que se encarregava "dos assuntos civis", normalmente atendendo comissões de trabalhadores, comités revolucionários e estruturas do género.

Esta poderosa estrutura de agit- -prop da esquerda militar, maioritariamente ligada ao PCP e aos debutantes serviços de informação do MFA, teve um papel determinante no processo de radicalização do 25 de Abril, tendo como ponto mais alto a acção de contenção do golpe do 11 de Março. Organizou depois a "assembleia selvagem" que deu o poder aos radicais. Defendeu o "voto em branco" de apoio ao MFA, nas primeiras eleições livres, para roubar votos aos partidos à direita do PCP. Coordenou grande parte dos planos para institucionalizar o MFA como poder efectivo do País, na base de uma aliança "Povo-MFA" (isto é PCP-esquerda militar), subalternizando o processo eleitoral. Apoiou, nas unidades militares e fora delas, o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, opondo-se ao próprio Presidente Costa Gomes. Coadjuvou acções do MFA de suporte aos movimentos de libertação de raiz marxista das colónias, durante a descolonização. E os seus ex-operacionais mais importantes estiveram activamente do lado da unidade de pára-quedistas de Tancos (dominada, então, pelos sargentos ligados ao PCP) e dos sectores da Marinha e da Intersindical (hoje CGTP), na tentativa de golpe revolucionário do 25 de Novembro - derrotada pela área democrática das Forças Armadas, mas que colocou Portugal à beira de uma guerra civil.

A 27 de Agosto de 1975, no processo que levaria ao derrube do V Governo Provisório, o último dirigido por Vasco Gonçalves, a 5.ª Divisão foi dissolvida e ocupada por forças militares do Regimento de Comandos da Amadora.

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