PS pode provocar crise política. É tentador liderar um governo com fundos e a recuperação para gerir

Líder da Iniciativa Liberal diz que se em outubro, quando se realizam as eleições autárquicas, o governo antecipar a possibilidade de uma maioria absoluta, saberá criar uma crise para antecipar eleições, acredita o deputado. Orçamento do Estado será o instrumento ideal para a precipitar.
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Foi gestor de empresas, liderou um banco, passou pelo turismo e pela comunicação social, e está agora na vida política. João Cotrim de Figueiredo foi eleito deputado nas últimas legislativas e é, há um ano, presidente da Iniciativa Liberal (IL).

A IL fez três anos, participou em três eleições, de âmbito nacional, e cresceu sempre em votos: 29 mil nas europeias, 68 mil nas legislativas e o candidato às presidenciais obteve 134 mil votos. Que meta tem para as próximas legislativas? Lutar pelo quarto lugar, à frente de PCP e Chega, como dizem as sondagens?
Não temos o hábito de fazer objetivos quantitativos. Quem acompanha a IL percebe que é um partido que nasce e existe para afirmar ideias e projetos diferentes. Isso tem duas consequências imediatas. Primeiro, dada a situação política e social em Portugal, é um projeto que demora. Segundo, só nos interessa cativar e atrair pessoas na estrita medida que sejam cativadas por essas ideias e esse projeto.

Ainda que a medida qualitativa e a quantitativa andem a par?
É evidente, porque é um partido político, existe para exercer o poder e mudar as coisas. Mas não vamos usar atalhos, é bom que fique claro. Seja mediático, político, comunicacional, não usamos atalhos para crescer. Porque não adianta crescer com base em pessoas que não acreditam verdadeiramente num projeto liberal para Portugal. Dito isso, é óbvio que observamos o que tem acontecido à IL, essa trajetória de resultados. E continuamos a crescer: mesmo nas presidenciais nós sabemos que muita gente disponível para votar na IL não votou em Tiago Mayan porque o Presidente recandidato era uma pessoa muito popular, particularmente propícia ao voto de protesto no espaço não socialista. O número podia ser muito superior numas legislativas. É com esse sentido que continuamos a trabalhar todos os dias, sem pressa, sem atalhos - é muito importante que fique claro. Onde podemos chegar? Bem, qualquer líder partidário lhe dirá, depende do eleitorado e do povo português. A nossa função é explicar o que defendemos, claramente, insistentemente, e quem se reveja nessas ideias será bem-vindo.

Acredita que as próximas legislativas serão na data prevista, 2023, ou vê sinais de que poderão acontecer mais cedo? Um governo minoritário, cruzado com a crise social e económica da pandemia, conduzirá a eleições antecipadas?
Tem razão na premissa de que já há sinais de podermos não chegar ao fim da legislatura. Mas depende sobretudo da análise que o primeiro-ministro (PM) e secretário-geral do PS fizer sobre a possibilidade de ter maioria absoluta.

A haver uma crise política, será provocada pelo PS? Percebi bem?
Nunca poderá ser provocada porque o PM é hábil e sabe que quem provoca crises políticas é penalizado, mas pode criar as condições para que essa crise aconteça e seja necessário antecipar eleições. É muito tentador para o PS, tal como nós o conhecemos e como se tem desenvolvido na sociedade portuguesa, presidir um governo numa altura em que haverá muitos fundos para distribuir e uma recuperação económica para gerir.

Mas esse momento pode acontecer já em outubro, quando teremos não só eleições autárquicas, como a negociação do próximo Orçamento do Estado (OE)?
O OE será certamente o toque. E, repito, acho que só acontecerá se o PS tiver a noção de que é possível chegar sozinho à maioria absoluta.

Antecipa uma crise causada pelo próprio PS ou, por exemplo, pelo PCP, que viabilizou o atual OE e pode não querer repeti-lo?
Esta análise que faço é não só em relação ao PS e à sua vontade de exercer o poder de forma mais hegemónica mas também em relação aos partidos de esquerda, que também tem outras preocupações, de sobrevivência. É o caso oposto: se acharem que eleições antecipadas poderão conduzir a uma continuada erosão da sua base eleitoral terão de engolir alguns sapos para não permitir que haja essa crise política. Serão tempos interessantes, taticamente, à esquerda.

Não engolir esses sapos poderá provocar uma crise?
Os sapos poderão ser as medidas orçamentais que não correspondam aos ideários, quer do PCP quer do BE e que poderão ter de engolir, caso não queiram provocar uma crise eleitoralmente danosa.

Depois de Tiago Mayan Gonçalves qual é a estratégia da IL para apresentar novas caras ao país?
Nestes curtos três anos, a IL já teve nas europeias o Ricardo Arroja, como cabeça do partido nas legislativas o Carlos Guimarães Pinto, teve-me a mim na Assembleia da República e agora como presidente do partido, teve o Tiago Mayan nas presidenciais.

Daí a pergunta. E agora?
Voltaremos a apresentar caras novas. As autárquicas serão uma oportunidade para o fazer - não é por aversão às pessoas que tem um histórico político mais longo, é porque achamos que é uma forma de dar coerência àquilo que sempre dissemos. Somos um partido de ideias, muito mais do que de protagonistas. E, portanto, nada melhor do que ter pessoas que não têm esse protagonismo, pelo menos inicialmente, para defender as ideias e deixar as ideias falarem.

Não há mulheres nestes rostos?
É uma queixa que eu próprio faço, e que no partido todos os dias tentamos obviar. Haverá mulheres a falar em nome da IL. Temos na comissão executiva, de 19 membros, mais de um terço de mulheres e certamente muitas terão uma visibilidade política maior do que hoje.

Gostava de contar com o Adolfo Mesquita Nunes na IL? Seria um bom nome para liderar uma lista autárquica a Lisboa?
Isso é uma decisão que tem de caber ao Adolfo Mesquita Nunes em primeiro lugar. Sendo um partido de ideias...

Posso repetir: gostava?
Se o Adolfo, com quem contacto regularmente - nunca falámos desse tema, fica aqui essa inconfidência, neste caso, de algo que não se passou -, achar que o seu futuro político continua a passar pela participação em partidos e que na IL esse futuro existe, pois com certeza que será bem-vindo, como qualquer pessoa convictamente liberal.

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Vai tentar persuadi-lo?
Não, porque, repito, nós não funcionamos em termos de protagonistas. Isso seria a mesma coisa que ir buscar a notoriedade de alguém para ganhar mais votos.

Persuadir pelas ideias, claro.
Mas isso, como a qualquer português. O Adolfo, qualquer pessoa que esteja noutro partido, ouve o que a IL tem para defender. Se se sentir atraído, é bem-vindo. Qualquer pessoa que convictamente aderir ao nosso ideário é bem-vinda. É a casa de todos os liberais.

E é a IL quem mais mossa política está a causar no CDS?
Não sei. Uma coisa é certa, nós não gostamos de beneficiar dos problemas de ninguém. Não quer dizer que a nossa afirmação não possa causar problemas políticos - preferimos que seja ao espaço socialista do que a outros -, mas não sei se é a IL que está a causar os grandes problemas ao CDS. É um partido que respeitamos muito, tem uma função histórica importante na nossa democracia e achamos que as notícias sobre a sua extinção são claramente exageradas. Tem um papel importante a desempenhar. A afirmação do CDS cabe aos dirigentes do CDS, não vou comentar sobre isso. Relativamente ao que possa resultar de pessoas que estejam desencantadas com o CDS, ou outro partido, repito: se estiverem convencidas da justeza das nossas ideias, serão bem-vindas. Não vamos fazer pesca à linha.

O CDS vai oscilando entre democracia cristã e um cariz mais liberal - daí a pergunta. Será que, aqui, a IL vai conquistando apoiantes?
O que eu acho que nos tem trazido apoiantes é a coerência e a consistência do projeto que defendemos. É o primeiro partido - é por isso que nasce, aliás - assumidamente liberal em todos os domínios da vida, na política, na vida económica, na vida social, nos próprios costumes. E a coerência com que temos defendidos isso, nunca transigindo mesmo quando as posições são menos bem entendidas ao princípio, é isso que nos tem trazido crescimento. O debate que hoje temos na sociedade sobre a atitude do estado de emergência, a TAP, a taxa única do IRS, a própria eutanásia, não seria igual sem insistência da IL. Isso é o ganho político que nos apraz registar. Influenciar a agenda política. Hoje não é possível discutir matérias que tenham alguma componente ideológica, e são quase todas convenhamos.

Sobre a proposta de adiamento das autárquicas, já afirmou que é difícil perceber a ideia de defender essa posição oito meses antes, mas a proposta do PSD vai ser debatida no Parlamento daqui a um mês. Já decidiu como votará?
Ainda não li a proposta. Soube ontem que estava agendada para 25 de março e vamos lê-la com atenção e ver como votamos. O que dissemos na altura, penso que será a base do nosso sentido de voto, é que não faz sentido tomar uma decisão dessas com esta antecedência. O que faz sentido, para evitar que a decisão seja tomada em cima do joelho, é definir um conjunto de critérios objetivos quer sobre a situação pandémica na altura quer sobre o andamento do plano vacinação e sobre, prospetivamente, como as coisas vão estar em outubro, a data previsível para essas eleições, e definir o momento-limite para tomar essa decisão. Nestas autárquicas não são só as máquinas partidárias que têm de se organizar, são também muito movimento de cidadãos, que têm mais dificuldade em arrancar, parar, voltar a arrancar com campanhas.

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Qual parece ser esse momento? Até ao verão?
A nossa proposta seria 15 de julho.

E para as autárquicas, provavelmente as mais difíceis eleições para a IL, qual é a estratégia: listas próprias ou admite coligações, nomeadamente com PSD e CDS?
A nossa estratégia está definida desde a minha eleição, em dezembro de 2019. Vamos sozinhos às autárquicas. Há exceções, poderá haver em dois casos muito específicos. Quando houver cabeças de lista que sejam independentes, ou ligados a outros partidos mas pessoas a quem reconheçamos perfil liberal.

Quer dar-nos algum exemplo?
Não, ainda não nos apareceu um exemplo...

O Rui Moreira poderá ser, por exemplo, no Porto?
O Rui Moreira poderá ser. Não vou esconder que houve já conversas com Rui Moreira - não foram conclusivas. Vamos ver... Uma coisa é certa. Só se houver uma noção de que há uma tendência, um pendor liberal na gestão autárquica é que merecerá o nosso apoio.

Então Mayan nunca será candidato ao Porto, a cidade dele?
Não. Poderá ser - aliás, é a hipótese mais provável - que tenhamos uma candidatura própria e depois será o grupo coordenador local do Porto que proporá o candidato e sugerirá aos órgãos do partido.

Mas interrompi-o. Ia falar da segunda situação em que poderá haver coligações...
A segunda situação é quando houver gestões autárquicas já longas de forças que nós consideremos particularmente iliberais, socialistas ou comunistas, e que haja uma boa hipótese de acabar com essa gestão, a bem dos municípios.

Está a pensar em Lisboa?
Estou a pensar em Lisboa, por exemplo. Agora isso implica, mais uma vez, que a pessoa que vier a encabeçar uma candidatura seja alguém que possa acolher no seu programa um conjunto de ideias liberais que são importantes para nós e que a política de alianças, nessa eventual coligação, seja clara e nos seja aceitável.

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E Adolfo Mesquita Nunes poderia reunir essas condições?
Poderia. Poderia.

Como compara o percurso nas sondagens do Chega, que também elegeu um deputado, nas últimas eleições legislativas, e da IL?
Eu diria que o verdadeiro fenómeno político em Portugal é a IL, que com um décimo da exposição, um décimo do barulho, um décimo da utilização de atalhos e técnicas comunicacionais, tem metade ou mais intenções de voto do Chega. Este é o crescimento que é difícil de fazer, é o tipo de política que é difícil de fazer. Que é pegar em ideias, muitas delas não são comuns, familiares às pessoas, às vezes não são fáceis de entender, usar pessoas que não têm protagonismo e não o buscam de uma forma fácil. E fazer atração de eleitores para aí. Estou muito satisfeito com a evolução da IL. Não me baseio só nas sondagens, que têm oscilações...

Mas quanto a uma aparente transposição de resultados, justamente do Chega para a Iniciativa Liberal?
Muita gente tem dito que "meio milhão de eleitores de André Ventura nas presidenciais é uma força que tem de ser tida em conta", meio milhão de pessoas que se revê em determinado tipo de posições, discursos ou de problemas. E a nossa função, da IL e de todos os partidos que não se reveem nesse tipo de discurso, é não escamotear os problemas, não achar que essas pessoas que votam de determinada maneira são portugueses de segunda, e mostrar-lhes que há alternativas e soluções. É o que fazemos. E se houver alguma transferência - não faço essa leitura das sondagens com tanta certeza - é porque as pessoas estão a ver que há outra maneira de fazer política, de responder aos problemas, que têm levado a esse voto de protesto dos partidos que escolhem um caminho mais fácil. Nós não escolhemos atalhos e repito: o grande fenómeno político aqui é a IL.

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Os acordos foram assinados em separado, mas a soma de todos permitiu viabilizar o atual Governo dos Açores, liderado pelo PSD. Com essa atitude política a IL não contribui para uma espécie de normalização do Chega?
Não. Nas eleições dos Açores, o deputado Nuno Barata, eleito pela IL, foi decisivo para a construção dessa maioria, nós não fomos abordados por mais ninguém sem ser pelo PSD, nem sequer pelos parceiros de coligação do PSD, para ver da viabilidade de conseguirmos votar a favor de um governo que o PSD viesse a formar. Nós pusemos uma série de condições, cerca de dez, todas sobre desburocratização, desregulação, privatização, liberalização da vida nos Açores, que tanto têm sofrido com 24 anos de maioria absoluta do PS, e não ficámos comprometidos com mais nenhuma medida senão as que estavam no nosso acordo bilateral com o PSD. Não falámos com mais ninguém. A IL vai votar ao lado de outros partidos nas matérias que lhe interessam. É o que acontece todos os dias na Assembleia da República, na Assembleia Regional dos Açores, na da Madeira. Não é uma normalização, é uma coincidência conjuntural de pontos de vista. Estamos muito confortáveis com o acordo que temos nos Açores e vamos estar muito vigilantes, relativamente ao que será a prática política do governo PSD/CDS-PPM. Já a começar neste orçamento regional para 2021, onde as matérias que acordámos com o PSD devem começar a ser tratadas.

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Qual é a massa cinzenta que alimenta a IL? Ela baseia-se numa estrutura interna do partido, se calhar com rostos que não conhecemos, ou tem contributos externos, muitos empresários...
Alimenta uma enorme capacidade de aproveitar o melhor que as pessoas têm. É, se quiserem, à escala de um partido, aquilo que gostaríamos que acontecesse em Portugal. Nós não distinguimos de onde vêm as ideias. Membros ou não, mais velhos e mais novos, do interior ou do litoral, das profissões. Nem têm sido os empresários que têm vindo com parte das ideias...

Então têm vindo de onde?
Temos é um conjunto de pessoas, muitíssimo atentas, sempre ligadas aos fenómenos sociais, que se estão a passar a vários níveis em Portugal e capazes de detetar boas pessoas, boas ideias. É algo de que Portugal carece, como de pão para a boca, a capacidade de reconhecer que há imenso valor na sociedade e só por não estar enquadrado nesta ou naquela estrutura acaba por não ser aproveitado. Nós somos ao contrário. Venha a ideia de onde vier, da forma mais ou menos orgânica, é vista, é detetada. Se alguém está à espera de uma de uma receita milagrosa, como é que se faz um partido que começou pequeno - como qualquer um - e acaba por crescer e ter influência, é isso, é serem pessoas muito abertas, muito coerentes. Obviamente, ideologicamente, isso é o DNA do partido, mas muito abertas a ideias novas e a não dar nada por adquirido ou fechado, questionar sempre aquilo que se está a fazer. Porque é sempre possível fazer melhor.

Vai ser líder da IL até quando? Em dezembro de 2019, ao ser eleito com 96% dos votos, disse que não havia mais ninguém interessado. Já tem alguma estimativa sobre quando passará o testemunho?
Não. E acho que a política não se faz assim, não se estabelecem prazos desses. O exercício de cargos políticos, neste caso de líder partidário, depende, obviamente da vontade da própria pessoa, portanto se um dia eu estiver infeliz a fazer política serei o primeiro a reconhecer isso.

E não está?
Não. De todo. Sou uma pessoa que se motiva muito por projetos e mesmo as dificuldades do dia-a-dia, a falta de sono, as agruras, tendo um objetivo e estando as coisas a correr como estão são suficientemente motivantes para não haver cansaço. Depois, há uma apreciação que já não é só pessoal, é do próprio partido e de quem esteja envolvido nas decisões, de qual é a melhor solução. E numa determinada altura, se houver melhor solução para liderar o partido do que eu - mais capaz de implementar um Portugal mais liberal e influenciar políticas, no sentido mais liberais -, serei o primeiro... O desapego do poder, também na IL é um bocadinho diferente.

Mas nesta altura isso não existe?
Eu só posso dizer, da minha parte, que a motivação é total. Relativamente ao resto, as pessoas que se quiserem candidatar à liderança da IL - há neste ano convenção eletiva e haverá de novo daqui a dois anos - são livres e bem-vindas.

Será candidato, então.
Serei. Serei candidato certamente.

Foi presidente do Turismo de Portugal. Está otimista quanto a uma recuperação no verão ou houve um tempo para o turismo que não voltará ou não voltará tão cedo?
Deixe-me fazer uma nota: eu não gosto de falar das coisas estando de fora, não conhecendo todos os detalhes. Portanto aquilo que eu disser tem de ter levado com essa pitada de sal. Não acho que seja fácil gerir uma atividade como o turismo no contexto pandémico, isso é óbvio, e houve um momento em que achei que teria sido possível fazer - ainda acho - algo que não creio que esteja a ser feito, que é conciliar a estratégia de vacinação com uma estratégia de promoção turística. Quando chegar a altura de maior incidência de reservas de estrangeiros para Portugal, não tenho dúvida que a maior parte desses estrangeiros, individuais, famílias, grupos, o que sejam, vão estar a comparar a situação de segurança sanitária nos vários destinos. Portanto, devíamos ter um discurso que fosse entendível lá fora como um país que está verdadeiramente preocupado com a segurança dos seus cidadãos, mas também de quem nos visita.

Já não basta vender o sol?
Não. E não basta olhar a pandemia como um problema sanitário. Isso é um erro brutal. É focar demasiado na única vertente que tem sido tratada, ignorando os problemas sociais, económicos, neste caso turísticos, de saúde mental, até um certo enraizamento. Uma coisa que muito me preocupa é uma sobre valorização da segurança em relação à vontade de recuperar e voltar a crescer. E isso pode causar danos muito mais duradouros do que os que - e já não são poucos - advêm da crise sanitária. Voltando ao turismo, teria sido possível a determinada altura ter uma estratégia de combate à pandemia, a começar na vacinação, que é mais visível, e também noutros domínios, que pudesse dizer a quem nos quer visitar: este é um país mais seguro do que outros. Maio/junho será o limite para as reservas de verão e ainda nenhum país europeu poderá dizer-se 100% seguro, mas podemos ser mais seguros do que outros. E isso não está a ser feito.

Também passou pela indústria, pelo grupo Sumol Compal. Como é que avalia o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que aposta na digitalização e na indústria 4.0? Vai ser suficiente para levantar do chão a nossa indústria, tal como ela está hoje?
Não, não vai. Este PRR, cujo nome, só de si já diz muito sobre a forma como está construído, basicamente é de recuperação para o Estado e se há resiliência é a que se pede às empresas. 90% dos fundos que ali estão são investimentos públicos diretos ou que não passam pelas empresas. Este plano, herdeiro do de Costa e Silva, o famoso plano que tinha mais de 80 prioridades e 80 coisas fundamentais, essenciais, não varia muito em relação a isso. Tem 19 componentes que não são deste plano e eu desafio, a encontrar nessas 19 componentes uma que seja realmente virada para duas coisas que, para nós, eram fundamentais. Em primeiro lugar, exoneração fiscal - porque o que é que vai ser preciso em Portugal? A economia mundial vai precisar de reinventar, numa certa medida, e toda ela vai ter de voltar a experimentar e a testar, o que exige muitíssima liberdade de criação e de experimentação. Vão falhar muitas vezes, portanto a possibilidade de voltar a tentar, insistir, a experimentação e erro, esta dinâmica económica é fundamental que Portugal a adquira. Ninguém acerta à primeira e as coisas mudaram o suficiente para ser particularmente difícil fazê-lo, logo a componente fiscal tem de não onerar para facilitar quem tenta e não onerar quem falha. Isto obrigaria a ganhar espaço no Orçamento para reduzir impostos.

E em segundo lugar?
A segunda grande prioridade que devia ter é a capitalização das empresas. Tornar possível que ideias, ideias de negócio, as tais que devem ser tentadas e voltadas a tentar, estivessem capitalizadas e não estivessem as empresas inibidas de fazer essas tentativas por manifesta exaustão da sua base de capital. Portugal não é há muitas décadas um país capitalizado. Temos esse problema sério há muito tempo e boa parte disso tem que ver com o ódio ao lucro que a esquerda tem conseguido pôr na agenda. Mas estando hoje onde estamos, estamos mais descapitalizados do que há um ano ou dois por via das reservas que foram usadas pelas empresas para fazer face à pandemia. Portanto, a capitalização tinha de ser a primeira, a segunda e terceira prioridade. E o que é que vemos no PRR? Uma pequenina fatia dedicada ao Banco de Fomento, que ninguém sabe muito bem como vai funcionar - apenas que vai ser encabeçada por alguém cujo único currículo é ter servido no gabinete do ministro Caldeira Cabral, ter prestado um serviço ao PS e não conhecer nada de banca e muito menos de empresas. Nada disto está certo. Outra coisa que nos preocupa é que não há nenhum sítio onde nos esteja garantido que os projetos, mesmo aqueles não sejam diretamente económicos, terão o retorno avaliado. Não há um critério de retorno, seja ele económico seja social seja de desenvolvimento.

Portanto, teme um falhanço do PRR, no caso de Portugal?
Temo, sim. Por um terceiro motivo ainda: a governação que está a ser prevista é exatamente a mesma que está a ser utilizada para os fundos estruturais normais que vêm da Europa: Ministério do Planeamento e CCDR. O que é que se passou nas CCDR há poucos meses? Eleições partidariamente cozinhadas para que haja representantes dos partidos do sistema a controlar os fundos. Portanto não auguro nada de bom. No passado, o que aconteceu com este tipo de planos e de investimentos foi que muitos, não tendo retorno e sendo óbvio que não iriam ter, contribuíram para a montanha de dívida pública de Portugal, sem contribuir para o seu desenvolvimento.

A IL tem votado contra o Estado de Emergência. Sem o confinamento que estamos a viver não poderíamos estar a prejudicar ainda mais a recuperação da economia?
A IL é contra "este" Estado de Emergência. É favorável às medidas que comprovadamente combatem eficazmente a pandemia.

Isso quer dizer o quê?
Que há Estados de Emergência que, se se resumissem a tornar legalmente possíveis as medidas que são eficazes, a IL votaria a favor. Não é o caso. Vamos no 12º Decreto Presidencial e continua a ter medidas e poderes conferidos ao governo. Um governo que não só não é competente a gerir a pandemia como não é confiável na utilização desses poderes. Continua a ter controlo de preços, continua a proibir pessoas de se desvincularem do SNS, portanto, obrigadas a trabalhar onde podem não querer. Continua a ter um conjunto de limitações que não são razoáveis e que não são consistentes com aquilo que seria o respeito e a dignidade das liberdades individuais e das garantias constitucionais de que os portugueses devem beneficiar. E se de alguma coisa me orgulho é de ser a IL que, desde o princípio, chamou a atenção de que Estados de Emergência e limitações de liberdades individuais, suspensões de garantias constitucionais, têm de ser levados com enorme resistência. Enorme resistência. Temos sido também o partido que mais sugestões concretas fez para que os Estados de Emergência e os decretos não fossem tão maus. Só neste último há três coisas pelas quais nos batemos e gostaríamos de acreditar que tivemos influência em introduzir nos decretos: a possibilidade de venda de livros, a não proibição de viagens por parte dos estudantes Erasmus e a obrigação de que o plano de regresso ao ensino presencial nas escolas seja preparado desde já. O que se está a passar nas escolas é uma autêntica tragédia.

Quando abriria as escolas se fosse governo?
O mais rapidamente possível.

Isso significa o quê?
Que tem de ser possível arranjar um equilíbrio muito melhor, que não dependa só do combate à pandemia, de um atraso muito duradouro na capacidade de aprendizagem de toda uma geração. Estes dois meses de suspensão de aulas, na prática foram cinco, com os do ano passado, podem ter efeito durante anos.

Começaria por libertar o primeiro ciclo e pôr na escola os miúdos que estão a começar a aprender?
Podemos discutir hipoteticamente até onde podemos ir. Uma é certa. Dependerá, como dependeria na sociedade como um todo, não só nas escolas, de uma estratégia de testagem muitíssimo mais agressiva. Como é que se geria a pandemia de forma diferente? A primeira coisa era o primeiro-ministro estar rodeado, desde o princípio, de pessoas que pudessem efetivamente ajudar a tomar decisões. Saber rodear-se - coisa que, aliás, tive ocasião de lhe dizer dois dias depois de esta crise começar e até hoje não vi nada. Porque isto não pode ter só uma lógica sanitária. Tem de ter uma lógica, como disse há pouco, de desenvolvimento económico, social. Há cicatrizes desta pandemia que vão durar muito mais tempo do que a das pessoas que adoeceram com covid. Já não falo só das pessoas que morreram por outros motivos, porque estamos demasiado concentrados na pandemia. São coisas muito duradouras. Portanto, primeiro rodear-se bem.
Segundo, saber usar o conhecimento para fazer algo que, até agora não tem acontecido. Portugal está permanentemente a ser surpreendido pela pandemia. Mais do que outros países. Nós tivemos o milagre português - ninguém soube explicar porquê - e passado uns meses somos o pior país do mundo e ninguém sabe explicar porquê. O crescimento do índice de infecciosidade em dezembro foi absolutamente astronómico - ninguém sabe explicar porquê. A redução desde finais de janeiro é enorme - ninguém sabe explicar. Ninguém saber explicar é uma demonstração de descontrole e gera esta quase ânsia... e a única maneira de resolver o assunto é confinar tudo. Confinar tudo não resolve. Pode momentaneamente produzir números bons mas cria problemas muito maiores.

O governo diz não querer criar expectativas de que o desconfinamento estará para breve. Se o João fosse governo acabaria com o confinamento?
Faço a mesma nota prévia: não sei os detalhes. O que eu faria desde o princípio era ter tornado muito mais claros os critérios que levam e não levam a desconfinar. Numa pandemia é impossível ter zero infeções, a menos que as pessoas se fechem todas em casa, individualmente, cada uma no seu quarto e não contactem com ninguém durante um mês. Ninguém está a defender isso porque é ridículo, os custos seriam enormes. O que estamos a discutir é que o equilíbrio encontrado é demasiado do lado da segurança sanitária e com muito pouca consideração para outros problemas. Mais tarde vão todos dizer "realmente devíamos ter estado mais atentos". Temos de estar atentos agora. O atraso educacional, as mortes não covid, os problemas de saúde mental sobretudo nos mais jovens, tudo isso são problemas que vão demorar anos a resolver. E tem de ser tratado já. E para isso é preciso coragem, coisa que este governo muitas vezes não tem tido. Incluindo nessa expressão: "Não queremos criar expectativas de desconfinamento demasiado cedo" é uma forma de gestão política e não técnica do problema.

A justiça holandesa decidiu a ilegalidade do confinamento da população. Se o Tribunal Constitucional o decidisse aqui, haveria motivos para impedir o confinamento?
Não sou jurista, não posso responder.

Mas está bem aconselhado.
Estou bem aconselhado, mas não vou pôr na minha boca opiniões que poderão ser de outros. Digo o seguinte: logo no primeiro ou segundo Decreto Presidencial a nossa posição foi, além da defesa das liberdades individuais, de que este Estado de Emergência destina-se a dar cobertura legal a uma série de matérias e decisões que o governo quer tomar e que podem ter aplicações que abram porta à litigância. Não tem mal, o Estado não deve litigar sobre coisas que precisou de fazer. O mal é não assumir. Se um Tribunal decide, temos de acatar. O que eu acho é que isso pode significar que há países onde o respeito pelos limites constitucionais, nomeadamente as liberdades, é levado muito mais a sério do que em Portugal. E isso custa-nos. O que é, em Portugal, preocupante é a falta de paixão e de empenho com que se vendem as liberdades que custaram tanto a ganhar. A IL é favorável a todas as medidas que combatam eficazmente a pandemia, mesmo as que possam representar limitações das liberdades que até aqui gozávamos. Mas é totalmente contra decisões tomadas de ânimo leve e levianamente. E é isso que me parece muitas vezes que em Portugal se toma por adquirido porque não há ninguém a dizer que a liberdade é o bem mais precioso que temos, custou muito a ganhar e temos de defendê-la, porque ela não é eterna.

O João também passou pela banca. O governo está a rever o tema das moratórias. Parece-lhe inevitável que tenham de ser prolongadas para lá de setembro? E, se sim, até quando?
Uma correção: a Privado Holding, que liderei, tinha um banco, mas não geria bancos - o BPP já estava, aliás, intervencionado pelo Banco de Portugal, na sequência dos ilícitos que tinham sido aí encontrados e a função da Privado Holding era tentar...

Certo, mas era isso...
Eu não vou renegar a minha experiência bancária. Estive, antes disso, em bancos e instituições financeiras e conheço bem o setor financeiro. As moratórias têm duas formas de ser vistas. Como proteção dos devedores que não têm condições para continuar a honrar os seus compromissos e, aí, são uma espécie de suspensão dado o estado absolutamente excecional que vivemos. E a segunda maneira, como proteção aos balanços dos bancos para que não tenham de reconhecer imparidades e dificuldades na cobrança desses créditos. É um empurrar com a barriga assumido. Não estou a criticar só por esse facto, mas sendo isso não podem durar. E tem de ser encontrada uma solução que tem de partir de propostas do próprio setor financeiro. Voltando ao PRR, falámos em capitalização de empresas e é também disto que estamos a falar. Muitas delas provavelmente, não terão condições para voltar a honrar os seus compromissos quando se acabarem com as moratórias. Mas muitas delas só não o poderão porque se descapitalizaram neste entretanto. Portanto, é importantíssimo coordenar as duas medidas: o fim das moratórias, que vai ter de acontecer, gradualmente porque os volumes são astronómicos, para que o empurrar da barriga não crie mais problemas do que aqueles que está a tentar resolver, e tem de ser acompanhado por medidas de apoio à capitalização.

E para que a banca não fique com esse menino nos braços deveria estar já a apresentar um plano alternativo de prolongamento dessas moratórias?
Eu não quero falar em nome dos bancos, mas se estivesse do lado do sistema financeiro era exatamente isso que estaria a fazer. Pode ser cómodo, de um ponto de vista imediato, não reconhecer esses problemas no balanço, mas a prazo, e não muito longo, é um problema maior do que aquele que está a tentar resolver.

Pode haver bancos incapazes de resistir?
Pode.

Teme que uma nova crise financeira se possa instalar, depois da pandemia?
As crises económicas raramente deixam de ser também financeiras - é uma coisa que não é suficientemente repetida, os prejuízos enormes dos bancos e os apoios que alguns deles receberam, em Portugal e noutros sítios, em boa parte foi porque os créditos que tinham concedido - tenham sido bem ou mal, tenha ou não havido suficiente atenção à concessão é outra questão - não foram repagos. O dinheiro não foi provavelmente todo queimado. Houve casos ilícitos, que são públicos e que merecem toda a reprovação e punição. Breve, se possível. Ainda estamos à espera que haja a primeira sentença. Mas o grosso daquilo que é o buraco da banca ficou na economia, não ficou na banca. Ficou nas empresas que não conseguiram repagar aquilo que deviam. E pode voltar a acontecer. Por isso acho que o sistema financeiro deve participar numa solução, deve propor uma forma de o fazer, para que não juntemos uma crise de liquidez à crise de descapitalização que já temos.

Uma pergunta final. Como ex-CEO da TVI, mas sendo um liberal, considera que o setor da comunicação social deveria ter ajudas públicas? Para resistir também esta crise que é aguda, nos meios de comunicação social.
Não. Acho que não deveria. Nenhum setor de atividade que não responde às funções que o Estado tem de exercer deveria receber ajudas públicas. Ponto final. Até lhe dou um exemplo. As televisões recebem, em todas as campanhas eleitorais, um valor muito significativo para porem no ar tempos de antena. E fazem-no em condições que não são... vou ser eufemista... não são no melhor interesse do contribuinte. Portanto é uma matéria que eu reveria, por exemplo, dando toda a importância à comunicação social e, nomeadamente, à televisão em Portugal, na divulgação de mensagens políticas e da qual eu muito gostaria de beneficiar. Eu só estive em televisão prime time em Portugal, desde que sou presidente da Iniciativa Liberal uma vez. E foi no programa do Ricardo Araújo Pereira. Não é propriamente um programa de informação política. E gostaria muito de poder espalhar o que é liberal. Lá chegaremos, isto não é uma queixa. É uma constatação. Lá chegaremos. Estamos a crescer bem, muito obrigado, sem isso ainda. O que faria se tivéssemos outra exposição. Mas, não tirando importância à televisão na divulgação das mensagens políticas, este caso concreto, dos tempos de antena, é um apoio encapotado.

E as rádios recebem pouco.
As rádios recebem muito menos, os jornais não recebem - também não publicam tempo de antena, não é? Mas é uma matéria que tem de ser revista. Não é porque é a importância dos meios se tenha alterado com o aparecimento dos fenómenos online - isso é parte do problema - mas é, sobretudo, porque não faz sentido que isso seja um custo, que é muito grande, para o contribuinte e não tem uma contrapartida no esclarecimento. Dou só este exemplo. Na última campanha presidencial o candidato que ganhou decidiu prescindir dos seus tempos de antena. É a importância que é dada ao assunto, do ponto de vista da captação de votos. Portanto, é um tema a rever, mas é só um exemplo que os meios de comunicação social, que eu acho que devem ser cada vez mais plurais e cada vez mais sólidos, mas têm de conseguir fazê-lo sem o apoio do Estado.

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