PS admite ir a jogo na lei das incompatibilidades. Passos defende Maria Luís
A controversa contratação de Maria Luís Albuquerque como administradora não executiva da Arrow Global pode resultar numa alteração ao Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos. Primeiro, o PS torceu o nariz quando o BE adiantou que ia recuperar uma proposta de 2013 para apertar a malha à transição de funções em altos cargos do Estado para o setor privado, mas ontem alterou o guião e afirmou estar disponível para rever a lei.
"Estamos abertos para debater o regime de incompatibilidades", afirmou o porta-voz socialista, João Galamba, no Parlamento, um dia depois de ter sido conhecida a nomeação da ex-ministra das Finanças e atual deputada do PSD para a Arrow Global, uma gestora de créditos britânica. E o deputado prosseguiu: "Se entendermos que há alguma lacuna na lei e se puder ser apreciada, não temos qualquer objeção em participar e contribuir para essa melhoria da lei."
Posição diferente tinha sido vincada na véspera por Carlos César. Questionado sobre se a revisão do quadro legal estava a ser equacionada, o líder da bancada foi categórico: "Não está em causa. O que está em causa é o comportamento de uma personalidade que foi ministra das Finanças e que vai trabalhar para uma empresa que agiu dentro da área desse ministério."
Quanto ao BE, reapresentou o projeto de lei - chumbado há três anos por PSD e CDS (com abstenção do PS) - para alargar o espetro de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos. "Se houvesse uma alteração da lei em 2013, era inequívoco aos olhos de todos e aos olhos da lei que qualquer membro de governo que saísse não poderia, num prazo de seis anos, exercer qualquer função numa empresa privada do setor do qual tinha tutela", explicou Pedro Filipe Soares, líder da bancada bloquista.
Para já, o PCP não disse se avança com alguma iniciativa. Porém, Jerónimo de Sousa referiu ontem, após reunião do Comité Central, que poderá estar em causa uma "escandalosa promiscuidade entre poder político e grupos económicos, particularmente a banca privada, em que membros do governo PSD-CDS - com destaque para a ministra das Finanças - ou empresas públicas diretamente interessadas se revezam entre interesses privados e a negociação a partir do Estado".
Agora, terá a palavra a subcomissão de Ética, embora a comissão de inquérito ao Banif - banco ao qual a Whitestar, detida pela Global Arrow, adquiriu crédito malparado no valor de 300 milhões de euros - também seja "contaminada" por este caso. O PS apresentou ontem um requerimento para audição de dois gestores da Whitestar, John Calvão e João Ferreira Marques, com o intuito de apurar quais foram os contactos entre Maria Luís e aquela sociedade.
Passos protege ex-ministra
Passos Coelho veio ontem a terreiro defender a sua ex-ministra, ao observar que Maria Luís "não infringiu a lei" e "não há nada na aceitação do convite que lhe foi dirigido que infrinja a lei".
"Não há nada na lei que impeça esta matéria, não há do ponto de vista ético nada que se lhe possa apontar. As pessoas estão proibidas um dia, depois de sair do governo, de poderem trabalhar?", questionou. O ex-chefe do governo frisou ainda que se está a falar de "uma pessoa não só com muito prestigio e capacidade como moralmente muito forte".
E cortou rente as críticas da esquerda: "A forma como a questão está a ser usada é para fazer chicana política e acho que devia haver limite para estas coisas."
Maria Luís, por seu turno, pediu à subcomissão de Ética que avalie se existem incompatibilidades entre a sua contratação e os atuais ou antigos cargos políticos, manifestando "total disponibilidade" para prestar esclarecimentos.