Não se deve julgar um livro pela capa. O mesmo se aplica aos filmes do universo Marvel, nem todos são rotina da decadência dos últimos anos. Há exceções e a maior continuam a ser os filmes da franquia Guardians of The Galaxy e este novo tomo é ainda melhor do que os anteriores. James Gunn, que subverte o sistema do conceito do produtor e chefe Kevin Feige, como que se recusa a fazer um "Marvel movie" - isto é outra coisa: há desaforo perante o conceito habitual, há liberdade. Já era assim nos dois primeiros, mas agora há mesmo uma explosão. Como não vibrar? Eles dançam, eles festejam: são verdadeiras figuras dos "comics" em euforia contagiante - super-heróis de coração que gostam de música pop-rock, dar abraços e celebrar essa coisa chamada amizade..Convém já avisar, numa altura em que a fadiga destes filmes (incluindo o universo DC) estava a matar o género, a chegada de um acontecimento destes, sobretudo antes do nada apetecível As Marvels, de Nia DaCosta, é a prova de que dentro destes bulldozers pode haver cinema de autor, o que é o mesmo que dizer que nas mãos de James Gunn temos de chamar a isto "cinema de autor com coração"..Neste derradeiro capítulo, a equipa dos Guardiões continua por Knowhere. Subitamente, o passado turbulento de Rocket é chamado, sobretudo quando este fica entre a vida e a morte depois de um ataque inesperado. Peter Quill, o único terrestre do grupo, ainda perturbado com a perda de Gamora, tem de reunir a sua equipa numa missão perigosa para salvar a vida de Rocket - uma missão que implica desafiar os poderes de um Deus da genética que inventa novos seres. A viagem leva-os para locais nunca dantes visitados, como, por exemplo, a Contra-Terra, uma réplica do nosso planeta com humanos com caras de animais, uma espécie de planeta em modo de videoclipe utópico de uns Talking Heads..Tal como nos outros dois Guardiões, a música e as piadas cínicas em modo de farsa, voltam a ser impecavelmente metidas, desta vez ainda com os piques de humor mais afinados e com uma energia de cultura-pop mais certeira, demonstração de que a iconografia divertida e relaxada deste grupo distancia-se do que estamos habituados a ver noutras paisagens. Acrescendo a isso uma incrível e genuína parada emocional, Guardians of The Galaxy Vol. 3 é facilmente o melhor da série. Comove e faz rir com um estalar de dedos enxuto e tem uma linguagem de ficção-científica que deve mais às space-operas de outrora do que à cartilha da Marvel. Gunn é fiel às suas origens de série B mas sabe incorporar o porte de um orçamento com meios milionários, dando ao mesmo tempo ao público um luxo criativo estético inédito neste universo. Uma festa que apenas não precisava de ser tão longa, mesmo se é recomendável ficar realmente até ao final dos créditos..E dos novos atores, aplausos ferozes para os timings de humor da portuguesa Daniela Melchior, Will Poulter e Elizabeth Debicki, embora a maior fonte de gargalhadas seja sempre Dave Bautista: a estupidez da sua personagem é de uma inteligência exemplar..dnot@dn.pt