Prova com 150 perguntas vai escrutinar novos médicos
O papão Harrison deixa de ser uma realidade para os alunos de Medicina. No dia 15, pelas 14.00, mais de 2500 fazem a prova que determina a entrada nas especialidades há mais de 40 anos pela última vez. No próximo ano entrará em vigor um novo modelo que está a ser elaborado pelo Gabinete da Prova Nacional de Acesso (GPNA), com a ajuda da organização americana National Border Medical Examiners (NBME), onde os portugueses foram fazer formação. "Era a instituição que realiza o modelo de testes que mais nos interessa. Os elementos que irão fazer parte dos júris foram fazer formação a Filadélfia e os técnicos deste instituto vêm cá também", explicou ao DN Serafim Guimarães, coordenador do GPNA, professor catedrático do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, e ex-presidente do Conselho Nacional do Internato Médico.
O primeiro teste-piloto vai ser feito no dia 23 de novembro e conta já com a participação de mais de mil alunos que se inscreveram para saber como vai ser a partir do próximo ano. A prova vai ser dividida em duas parte, de 120 minutos cada, e com um intervalo de 60 minutos a separá-las, a partir das 14.00. As inscrições terminaram no dia 26 de outubro no site da ACSS. O DN sabe que mais de mil alunos inscreveram-se nos primeiros dias.
Os locais selecionados para esta primeira prova foram Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Covilhã, e a prioridade vai para quem está agora a fazer o 6.º ano de Medicina e que no próximo ano terá de fazer obrigatoriamente esta prova. Os alunos que neste ano fazem o Harrison ou os que frequentam os 5.º e 4.º anos, e que vêm de faculdades estrangeiras, também poderiam ter-se inscrito para testar a nova prova.
Uma prova que se pretende "mais justa e equitativa para os que querem aceder à especialidade médica", refere ao DN Serafim Guimarães. O que separa o Harrison da nova Prova Nacional de Acesso? Para começar, o primeiro tinha cem perguntas, esta terá 150, "o que permitirá escrutinar melhor os candidatos", defende o mesmo médico. Depois, o Harrison, que tinha por base o livro que é considerado um tratado da medicina interna, assentava na memorização, a nova prova terá por base casos clínicos e incentivará o raciocínio clínico.
Por exemplo, "enquanto o Harrison poderia pedir o valor referência de uma análise para se diagnosticar uma doença, na nova prova aparecerá um caso clínico que chegou a uma consulta ou à urgência com um conjunto de queixas para se perguntar: qual é o diagnóstico, o que se pode fazer para tratamento?", argumenta Serafim Guimarães. "O Harrison cumpriu a sua missão durante 40 anos como método de avaliação e de seriação dos médicos, mas havia que mudar para adaptar o acesso à especialidade mais à realidade clínica."
Até porque, acrescenta, "no Harrison apenas eram abordadas matérias de medicina interna, não integrava nada de cirurgia, ginecologia-obstetrícia, pediatria e psiquiatria. E a nova prova abarcará todas estas matérias. Haverá uma parte só para a medicina interna, que valerá 50% para a nota, e outra parte para as outras especialidades, em que serão integradas também perguntas importantes para a medicina geral e familiar." Ou seja, "pretende-se que seja uma prova que abarque as matérias do 6.º ano profissionalizante e as matérias que são consideradas essenciais para um médico não especialista".
De acordo com Serafim Guimarães, os 150itens serão escrutinados e adequados pelo júri nacional à realidade portuguesa, a nova prova terá de ficar pronta até ao final do primeiro trimestre de 2019, para depois ser sujeita a todo o procedimento habitual. Uma das características desta prova é a sua confidencialidade.
Por isso, apesar de se ter criado uma estrutura profissionalizante para se elaborar esta prova, só uma ou duas pessoas conhecerão a totalidade do teste. Por isso, "não há perguntas feitas em computadores ligados à internet. Não há informação trocada por e-mail", afirma o coordenador do Gabinete da Prova Nacional de Acesso. Um gabinete formado por representantes do Ministério da Saúde, da ACSS, da Ordem dos Médicos, escolas médicas e associações de estudantes.
"Todas as questões que se colocam à criação desta nova prova têm sido discutidas por todas as entidades e, até agora, recebido o consenso de todos. Haverá uma avaliação psicométrica após a realização da prova feita por várias entidades para se perceber se foi benfeita ou se deverá ser alterada", refere o médico do Porto.
A discussão sobre uma nova prova de acesso à especialidade começou em 2004, com o Conselho Nacional do Internato Médico a alertar para a necessidade de mudanças, a questão foi reforçada em 2007, até que em 2009 surgem propostas também das escolas médicas e em 2012 o Ministério da Saúde cria um grupo de trabalho para avaliar a questão, que faz também recomendações de alteração. Mas só em 2017 todas as entidades intervenientes do processo assinam um protocolo para avançar com a criação de uma nova prova com critérios diferentes.
No próximo ano, a mudança que começou a ser pedida há mais de uma década será concretizada, esperando-se que "o novo método seja mais escrutinador, mais justo e equitativo." Embora se saiba que a maior queixa dos jovens médicos não mudará: a pressão, o stress, o medo, a frustração de não ter um lugar. Mas é isso mesmo que leva a que "se estude e se lute por um lugar, pois só os melhores escolherão o que querem, os outros escolherão o que houver", justifica Serafim Guimarães.
No último ano, havia 1665 vagas para 2341 candidatos, o que quer dizer que 676 médicos não puderam entrar na especialidade. Os outros terão de voltar a fazer o teste neste ano, no dia 15, para melhorarem a nota ou acabarem por sair do país para fazer fora o internato médico.
Em 2018, os alunos que se inscreveram para fazer a prova-piloto nada têm de pagar, mas a partir do próximo ano quem quiser tirar uma especialidade médica terá de avançar com 90 euros, "tal como outras profissões têm de o fazer para poderem exercer", justificou o coordenador do Gabinete da Prova Nacional de Acesso.