Prostituta com 73 anos sente falta do pudor
"Sabe o que me custa? É a falta de respeito. Dantes, havia educação. Os homens falavam com a gente com modos. Agora? Agora chegam e perguntam: Faz isto? Faz aquilo? Quanto custa o b...? Assim, aos gritos, à frente de toda a gente. Até me fazem corar."
Mariazinha tem 73 anos. A idade dá-lhe o pudor que a vida podia ter-lhe roubado. Quando começou a prostituir-se, aos 22, os tempos eram outros. A prostituição era tolerada por Salazar, havia rotas conhecidas onde os homens de boas famílias levavam os filhos para iniciarem a vida sexual. As "mulheres da vida" não eram bem-vistas, "mas havia uma certa consideração que hoje não há".
Boa parte da sua vida - boa parte desta vida - consiste na espera. As novas aguardam de pé, empoleiradas em saltos de 15 centímetros. Mariazinha já não aguenta tamanhos malabaris-mos. Está sentada numa caixa de cartão, perto do Cais do Sodré. Tem as mãos pousadas no colo, uma por cima da outra. Não tem blush, nem baton, nem rímel. Veste uma blusa apertada até cima, um casaquinho de malha grossa e uma saia pelo meio da perna. Parece uma avó. É uma avó.
Mariazinha guarda, aos 73 anos, um segredo com duas gerações. Quase três. Os filhos não sabem que aluga o corpo como forma de vida. Os netos também não. E se a neta mais velha cumprir o prometido e lhe der um bisneto em breve, essa terceira geração viverá também no desconhecimento da verdade. "Já viu o que era saberem que vou para as pensões com homens? Não era capaz!"
No lugar da verdade, a família acredita que Mariazinha trabalha como mulher-a-dias. "Vendo bem, até é verdade!", diz com um sorriso onde faltam dentes. Quando os dias se estendem para as noites, as desculpas variam. Outras vezes não é preciso desculpa. "Não tenho marido e, como vivo sozinha, ninguém sabe a que horas chego."
Para esta avó, o pudor coexiste com o desejo de continuar nesta vida porque foi esta vida a única que conheceu. "A reforma que tenho é uma miséria. Mas dá para viver. Cheguei a sair das ruas durante seis meses. Mas depois... Estava sempre sozinha. Não tinha ninguém. E comecei a sentir falta da minha esquina, deste cantinho onde já estou há tantos anos, onde conheço toda a gente."
Saudades dos homens, dos clientes? Mariazinha baixa os olhos. Há tristeza e embaraço e dúvida neste olhar. "Saudades? De alguns. Tenho clientes que conheço há anos. Alguns vêm só para a conversa, sabe? Há gente que não se acredita, mas há muitos que só querem desabafar. Como é que lhe digo isto? A gente acostuma-se. Não sei fazer mais nada. Aqui é a minha vida."
Mariazinha sublinha que só faz "sexo normal e ao natural". Nada de pedidos esquisitos e fantasias "porcas". "Às vezes falam-me de cada coisa! Deus me livre! Nem com anestesia geral!" Pode parecer estranho tanto prurido numa profissão como a sua. Mas olhando para Mariazinha, 73 anos, no seu casaquinho de malha grossa, é possível acreditar. SMS