Diz-me a Luísa que o termo para "adoração", no Novo Testamento, é o grego proskuneo: o cão que lambe a mão do dono. Não me surpreende: o Novo Testamento é esperança..Ao fim de uma semana com dois cães em casa, já glosamos aforismos. Se puderes ter um animal, tem um cão; se puderes ter um cão, tem dois..A Jasmim é uma senhora. Faz as necessidades às escondidas e em duas manhãs habituou-se à trela. Adora mimos..O Melville é uma revelação. Ao primeiro dia, viu-a subir a uma cerca e acorreu a impedi-la. Ao segundo, notou que se tinham atrasado na caminhada, ela e a Catarina, e forçou-me a parar..Jamais lhe ladrou. De início, cheirava-a. Depois viu-a comer da sua malga e sentou-se para mostrar--lhe os brinquedos também..Nunca pensei..Agora temos uma cadela inteligente e um cão voluntarioso. A Jasmim é calma, curiosa, ciumenta. Aprende tão depressa que assusta..O Melville é o líder esgrouviado de uma matilha alegremente rumo ao precipício. Esbanja paixão. Salta aos muros onde se agigantam leões-da-rodésia. Tem vertigens eróticas até com pedras. Chega do passeio e continua a puxar, como quem diz:.- Atrelem-me um carro de bois. Atrelem-me um carro de bois!.Quando fica a sós com ela no quintal, vai buscar a bola e atira--lha, a ensiná-la. Se ela prefere fazer lutas, deita-se de costas com ar refastelado..Desconhece o ciúme. É previsível, higiénico e irredutivelmente feliz, embora colérico. Podemos pôr--lhe um bife diante: se lhe dissermos "não!", não lhe toca. Já se um cão ladrar em São Jorge, é a III Guerra Mundial..O que também mostra a sua grandeza ao aceitá-la..Somos um casal com dois cães, uma princesa que veio da rua e um rufia temperamental que se esforça por ser bom bicho. Se a Catarina tivesse vivido debaixo da ponte, podíamos de facto dizer que os cães são parecidos com os donos.