Promulgação da diver­gência

Publicado a
Atualizado a

É errada a ideia de que ninguém, neste momento, deseja uma crise política. Há quem não se importe, pela hipótese do prov¬eito próprio, que permite a alguns sair da sombra ou do papel de oposição. O que ninguém quer é assumir a responsabilidade desse propósito negativo, desencadeador de incertezas e de instabilidade.

Ao promulgar os três diplomas dos apoios sociais, Marcelo Rebelo de Sousa está longe da intenção e da precipitação de uma crise política, mas inevitavelmente saciou o ego dos que a almejam e dificultou o exercício da go¬vernação, desafiando a lei-travão e a execução orçamental.

A crise política não sucede porque Costa também - e sobretudo - não quer. O Primeiro Ministro preferiu fintar publicame¬nte o conteúdo do problema, enaltecendo a criatividade do ar¬gumentário presidenc¬ial que sustenta a promulgação, com base na votação parlamentar, configurada numa coligação negativa, por mais positiva que a ideia surja - pelo objetivo de aumentar os apoios sociais.

As contas do Governo apontam para um au¬mento da despesa orçamental em 350 milhões de euros, se a necessidade de apoios se mantiver até ao final do ano. A urgência fez Marcelo, o Presidente, promulgar, sobrepondo-se à inclinação de Marcelo, o Constitucionalista, de vetar.
Está promulgada a divergência assumida, sem ser um confronto ou conflito entre Belém e São Bento, mas é pública e notória, sobretudo por se tratar de uma decisão que vincula e compromete.

Esta promulgação é mais do que uma mensagem política, mas menos do que uma crise dessa natureza.

Há memórias que ficam das campanhas pre¬sidenciais e que podem dar, por parte da opinião pública, o benefício da dúvida a Marcelo. A primeira, de 2016, fundada na ideia de ser um candidato da esquerda da direita e a segunda, em 2021, que decorre da afirmação de um posicionamento, enquanto Presidente da República, que está ao lado de um Governo. Prometeu, con¬tudo, não assumir o papel de líder da oposição.

Enfim, pode-se interpretar e depreender a consequência da sua sensibilidade social e a proximidade ao povo e às dificuldades que economica e socialmente existem num país real, que não vive preocupado com leituras de ordem política.

Outro aspeto prendese com a intervenção presidencial e esta promulgação, com base no contexto e nos seus pressupostos, evidencia uma postu¬ra mais interventiva do Presidente da Re¬pública. Um segundo mandato presidencial é sempre e necessariamente diferente do primeiro e a grande diferença passa por aqui.

Entretanto, discute-se a relação entre o Presidente e o Primeiro-Ministro, quase esquecendo o acontecimento parlamentar na votação destes diplomas, que resultou numa coligação negativa, cuja categorização ultrapassa os conceitos de "geringonça" ou "caranguejola", intersetando-os e abrangendo-os, co¬ntra a vontade do Governo e do PS.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt