Promoção de Saúde, percursos de vida e envelhecimento - a urgência de novas respostas

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Estamos a viver uma transição demográfica e epidemiológica, ou seja, vivemos muito mais anos e passámos a ter uma clara prevalência de doenças crónicas, principalmente sob a forma de multimorbilidade. Estas já representam cerca de 50% da carga global de doença e resultam num incremento da pressão sobre o Sistema de Saúde e Segurança Social e particularmente sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Tais factos relevam a importância do percurso de vida, porque a saúde física e mental e o bem-estar de uma pessoa são influenciados pelos múltiplos determinantes da saúde. A abordagem do ciclo de vida concentra-se num início de percurso saudável e visa as necessidades das pessoas em períodos críticos, harmonizando as respostas às necessidades das diferentes gerações.

As respostas que se estão a dar em Portugal a este fenómeno não têm sido suficientes. Os hospitais especializados na resposta à doença aguda e/ou agudização da doença crónica, não têm demonstrado igual capacidade na gestão da multimorbilidade; os cuidados de saúde primários mantêm limitações de cobertura nacional e adaptação difícil à transição epidemiológica; os cuidados continuados permanecem com um nível de desenvolvimento muito limitado, de tal modo que apenas 1,9% dos adultos com 65 ou mais anos de idade os recebem (OCDE); os cuidados paliativos estão longe de responder adequadamente às necessidades; e os ditos "cuidados sociais" são uma rede paralela e não integrada.

O SNS revelou alguma capacidade de adaptação ao desenvolver diferentes respostas de proximidade, todavia resultou em maior proliferação e fragmentação de cuidados. Assim, em 2006, a Rede Nacional de Cuidados Continuados (RNCCI) lançou as Equipas de Cuidados Continuados Integrados. Em 2012, as equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos deixaram a RNCCI e integraram a Rede Nacional de Cuidados Paliativos. Em 2018, criou-se a Estratégia Nacional de Unidades de Hospitalização Domiciliária. Porém, quando a DGS emitiu a norma sobre a articulação com os restante níveis de cuidados, refere-se apenas duas vezes à RNCCI e a palavra "integração" surge uma vez. Por outro lado, a multiplicação de siglas confunde o cidadão, indicia falta de coordenação e ausência de uma abordagem estratégica.

A este cenário juridicamente pesado e organicamente confuso, acresce que cada uma das soluções tem profissionais não partilhados, coordenação, indicadores e modelos de contratualização separados, viaturas, espaços e materiais próprios e sistemas de informação distintos e sem interoperacionalidade.

Por todas essas razões, urge a Transformação!

Requer-se uma intervenção estruturada em dois vetores: uma resposta às atuais pessoas idosas; uma outra dirigida à população em geral e que tenha como objetivo promover a saúde ao longo do percurso de vida e criar condições para um envelhecimento mais saudável.

A primeira visa dar resposta às excecionais necessidades da atual população idosa e deve ser estruturada com base num modelo de cuidados que privilegie a proximidade e a domiciliação. Tal modelo deve oferecer cuidados:

- facilmente acessíveis, na comunidade, sem barreiras físicas (e.g., distância) ou financeiras;

- centrados na pessoa ao invés de centrados na doença ou no órgão;

- que garantam a integração e a continuidade entre os vários níveis de cuidados incluindo os sociais;

- que assumam as pessoas como decisores ativos considerando as suas expectativas.

A segunda (dirigida à população em geral) deve privilegiar as intervenções de promoção e prevenção da doença ao longo do percurso de vida, começando com os desafios do desenvolvimento infantil e juvenil e procurando responder equilibradamente às necessidades de saúde do todas as gerações. As políticas públicas devem ter a inteligência e a clarividência de, em saúde, se focarem e dedicarem recursos e investimento prioritariamente a montante, isto é, no que promove e mantém a saúde - autocuidado e todos os determinantes da saúde.

A obtenção de elevados níveis de saúde e bem-estar para todos está alinhado com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ONU) e por isso pode e deve ser um objetivo mobilizador para a sociedade.

Como forma de aferir a transformação, urge a criação de uma métrica que nos sirva de monitor e nos permita perceber o sentido e intensidade da mesma. Assim e nesta área em concreto, propomos:

- Definição de um orçamento plurianual centrado em objetivos de saúde, com uma componente orçamental dedicada à promoção da saúde e prevenção da doença, através da definição de critérios de financiamento de instrumentos horizontais de comunicação e literacia em saúde.

- Definição de uma estratégia integrada entre Ministério da Saúde, da Educação e Ensino Superior que vise o incremento da literacia e de estilos de vida saudáveis durante todo o percurso educativo.

- Coordenação integrada entre Ministério da Saúde e da Segurança Social da rede de saúde e suporte social para a gestão de internamentos evitáveis e processos de isolamento social e familiar;

- Criação de uma rede de cuidados integrados no domicílio única, coordenada, com diferentes soluções de cuidados, resultante da RNCCI, RNCP e UHD; e suportada em sistemas de informação como o processo eletrónico comum e plano individual de cuidados;

- Desenvolver modelos de contratualização de cuidados de proximidade baseada em indicadores que vão além da doença nomeadamente, medidas de capacidade funcional, independência, qualidade de vida e bem-estar em todos os níveis de cuidados.

Manuel Lopes é professor Coordenador Principal na Universidade de Évora
Pedro Maciel Barbosa é fisioterapeuta na Unidade Local de Saúde de Matosinhos

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