Proibição do véu: alemães querem condutoras e alunas de cara à vista

Conservadores de Merkel afirmam que véu dificulta integração e rebaixa as mulheres. SPD, seu parceiro de coligação, opõe-se.
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Conseguir ver o rosto. Seja da mulher que vai ao volante, da aluna na sala de aula, de quem vai tratar dos documentos de identificação, da juíza, da testemunha em tribunal ou da participante numa manifestação. Este é o argumento usado pelos conservadores alemães da CDU e da sua congénere bávara CSU para defender a proibição do véu islâmico que cubra o rosto da mulher.

"Ver o rosto da outra pessoa é essencial para a comunicação, para a coexistência e para a coesão social. É por isso que estamos a pedir a todos que mostrem o rosto. Queremos introduzir uma lei que torne obrigatório fazê-lo e quem violar essa lei terá de enfrentar as consequências", explicou Thomas de Maizière, o ministro do Interior do governo federal após uma reunião com os homólogos regionais da CDU (União Cristã-Democrata) da chanceler Angela Merkel e da CSU.

A proibição envolveria a burqa e o niqab. Segundo os ministros do Interior conservadores, estes tipos de véus islâmicos são uma barreira à integração e, garantem, tornam as mulheres inferiores. Proibir o véu é a mais visível - e mais polémica - de uma série de medidas apresentadas pelo governo alemão para lutar contra o terrorismo, depois de o país ter sofrido cinco ataques que fizeram 15 mortos numa semana. As outras medidas passam por permitir aos médicos quebrar a confidencialidade se desconfiarem que o paciente é uma ameaça à segurança, aumentar o número de polícias nas ruas, reforçar a videovigilância ou facilitar as deportações de quem vê o pedido de asilo recusado.

Quanto ao uso da burqa e niqab, Maizière explicou: "Estamos contra pessoas que usam véu integral na Alemanha - não tem lugar no nosso país e não encaixa na ideia que temos da mulher". Opinião que a chanceler Angela Merkel partilha. Com eleições no outono de 2017, a chefe do governo alemão tem vindo a perder popularidade, sobretudo depois dos últimos ataques. Ao grupo de media RedaktionsNetzwerk Deutschland, Merkel garantiu que uma mulher que use véu integral "não tem quase nenhuma hipótese de se integrar". E mostrou-se convicta que será possível aplicar a proibição a toda a Alemanha.

Divisão esquerda-direita

As propostas da CDU terão ainda de ser aprovadas pelo executivo antes de se tornarem lei. O debate em torno da proibição do véu islâmico integral tem dividido a coligação liderada por Angela Merkel, com os sociais-democratas, parceiros da CDU no executivo federal, a oporem-se a estas restrições.

Confrontada com um fluxo enorme de refugiados - mais de um milhão em 2015, na larga maioria muçulmanos - a Alemanha teve de lidar nas últimas semanas com ataques reivindicados pelo grupo jihadista Estado Islâmico e com um tiroteio perpetrado por um adolescente com problemas mentais. Este fez nove mortos num centro comercial de Munique.

Mas já antes de um clima de medo se instalar no país, a Alternativa para a Alemanha (AfD) estava a ganhar votos, tendo entrado em março para três parlamentos regionais. Nas sondagens nacionais, o partido nascido em 2013 como anti-euro mas que já este ano se assumiu anti-imigração anda acima dos 10% de intenções de voto.

Para a ministra do Trabalho, a social-democrata Andrea Nahles, as medidas propostas pela CDU são sinal de um discurso político "cada vez mais xenófobo" na Alemanha e podem prejudicar os esforços de integração dos imigrantes. Já o ministro da Justiça, Heiko Mass, também do SPD, sublinhou que os debates sobre burqa e segurança deviam ser mantidos separados.

Na Alemanha vivem 4,8 milhões de muçulmanos (5,8% da população, segundo o Pew Research Center), com os turcos a serem a maior comunidade (mais de 60% do total). No auge da crise dos refugiados em 2015, o governo alemão destacou-se pela sua política de portas abertas, ficando famosas as imagens de alemães e receberem os refugiados nas estações de comboios com comida, roupas e peluches para as crianças. Um constaste claro com outros países europeus - como Hungria ou Bulgária - que construíram vedações nas fronteiras para travar a entrada de migrantes, muitos vindos da Síria via Grécia e à procura de uma vida melhor no Norte da Europa. Mas este clima mudou muitos nos últimos meses, com a desconfiança em relação aos refugiados e aos imigrantes, sobretudo os muçulmanos, a aumentar.

Quanto à burqa, não há estatísticas sobre o número de mulheres que a usam na Alemanha. Mas Aiman Mazyzek, líder do Concelho Central dos Muçulmanos, explicou à Reuters serem muito poucas. Um estudo de 2009 do Gabinete Federal das Migrações e Refugiados concluiu que dois terços das muçulmanas na Alemanha nem usam lenço.

Nas últimas semanas, o debate sobre a proibição do véu islâmico e do burkini, uma versão da burqa para o banho, alastrou pela Europa, depois de vários municípios franceses terem proibido o seu uso nas suas praias. Em França o uso da burqa em locais públicos foi proibido em 2010.

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