Programa de Governo. Começam os debates em modo todos contra um

Discussão do Programa de Governo começa hoje e termina amanhã, com votação do documento. Guerra na Ucrânia criou cenários de incerteza mas só no Orçamento do Estado isso terá reflexos
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António Costa enfrentará uma situação paradoxal: por um lado, estará pela primeira vez apoiado numa maioria absoluta do seu partido, pelo que nada tem a recear quanto aos diplomas que quer ver aprovados ou que quer ver chumbados; mas por outro, e ao mesmo tempo, com o BE e o PCP agora com os dois pés na oposição, e o Chega e a IL bastante mais fortes (os dois partidos somados passaram de dois deputados para vinte), enfrentará debates bastante mais agressivos e desgastantes.

A divisão esquerda/direita que separou as águas nos debates parlamentares das duas primeiras legislaturas de António Costa acabou; agora o primeiro-ministro está sozinho contra todos, podendo quando muito contar aqui e ali com atitudes mais contemporizadoras por parte de Rui Tavares (Livre) e de Inês Sousa Real (PAN).

A legislatura inicia-se num tempo de profunda incerteza, provocada pela guerra na Ucrânia. E esse, aliás, deverá ser um dos pontos focais nas críticas da oposição ao Governo. Todos tenderão a dizer que o programa que o Executivo apresentou não responde a problemas que a guerra acentuou, como o do aumento dos combustíveis. E à esquerda alguém recordará que os aumentos decretados pelo Governo para a Função Pública (0,9 por cento) estão cada vez mais desalinhados com uma inflação que não para de aumentar, aproximando-se agora dos seis por cento.

O debate começa hoje e terminará sexta-feira. Por iniciativa do Chega, irá a votos. O partido de André Ventura decidiu apresentar uma moção de rejeição (a qual, se fosse aprovada, implicaria a queda do Governo). Mas, já se sabe, o PS tem maioria absoluta (120 deputados). Portanto, pelo menos com os votos socialistas a moção do Chega será chumbada. Mas já se sabe que pelo menos o BE também votará contra. Provavelmente, o partido de Ventura ficará mesmo isolado - facto, que, evidentemente, irá celebrar profusamente como significando que lidera a oposição.

O debate poderá também para, pela primeira vez, o próprio António Costa esclarecer de viva voz o tabu europeu que o Presidente da República lhe determinou no discurso da tomada de posse do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa disse nesse discurso que a maioria absoluta retirou a Costa o direito de, a meio da legislatura, deixar o Governo para rumar a um alto cargo na Europa.

Até agora, o próprio primeiro-ministro não comentou esse cenário e hoje, se interpelado nesse sentido, poderá fazê-lo. Pelo lado do Governo, a nova ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, assegurou no fim de semana passado que não há razão para dúvidas: "O senhor primeiro-ministro está para cumprir o mandato que os portugueses lhe deram, para cumprir o mandato desta legislatura, foi para isto que os portugueses confiaram."

Finda a discussão do Programa de Governo - documento que, no essencial, retoma as promessas do programa eleitoral que o PS levou a votos nas legislativas (portanto, sem que houvesse no horizonte a perspetiva de uma guerra na Europa) -, o passo seguinte será a discussão do Programa de Estabilidade 2022-2026 apresentado pelo Executivo. A discussão foi marcada para dia 20.

Só depois disso é que chegará ao Parlamento o Orçamento do Estado para este ano - este sim, o primeiro grande teste à forma como o Governo adaptará as suas opções económicas às circunstâncias de guerra e respetivos efeitos inflacionários. Tanto a discussão do Programa de Governo como depois a do Programa de Estabilidade serão, na verdade, ensaios preparatórios para a grande discussão do Orçamento do Estado, onde todas as políticas enfrentam o efeito clarificador de se traduzirem, ou não, em euros.

António Costa, ele próprio, já reconheceu que a guerra na Ucrânia "acrescenta um enormíssimo fator de incerteza". Na semana passada, no final da primeira reunião do Conselho de Ministros desta legislatura, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, remeteu parte das medidas de resposta à atual crise para a futura proposta de OE2022.

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