Somerton man. A morte mais misteriosa da Austrália pode ter sido resolvida
Derek Abbott, professor da Universidade de Adelaide que dedicou décadas a resolver um dos mistérios mais longos da história da Austrália, afirma ter descoberto a identidade de um homem encontrado morto numa das praias da cidade em 1948 e que ficou conhecido como Somerton man, o homem de Somerton.
De acordo com o professor, o corpo pertencia a Carl "Charles" Webb, engenheiro elétrico e fabricante de instrumentos nascido em Melbourne em 1905.
A Polícia da Austrália do Sul e a ciência forense ainda não verificaram as descobertas de Abott, que trabalhou com a conceituada genealogista americana Colleen Fitzpatrick para identificar Webb como o homem de Somerton.
Através do sequenciamento de ADN, o professor disse que ele e Fitzpatrick conseguiram localizar a peça final de um puzzle que durante mais de 70 anos cativou historiadores, detetives amadores e teóricos da conspiração.
Em maio, a polícia da Austrália do Sul respondeu ao pedido de Abbott para exumar o corpo do homem de Somerton e especialistas da Forensic Science SA começaram a trabalhar para tentar encontrar a melhor maneira de analisar o seu ADN. Através de fios de cabelo, o professor encontrou a prova de que o corpo pertencia a Carl Webb.
Em março, Abbott anunciou que, na sequência da construção de uma complexa árvore genealógica de cerca de 4000 nomes, haviam chegado ao nome de Webb, cuja data da morte não havia sido registada.
"Ao preencher esta árvore, conseguimos encontrar um primo em primeiro grau três vezes removido do lado da mãe dele", afirmou Abbott, citado pela CNN. E no sábado, os investigadores compararam o ADN obtido a partir do cabelo do homem de Somerton com testes de ADN feitos a familiares de Webb.
"É como um dos mistérios que toda a gente quer resolver e nós conseguimos", regozijou Fitzpatrick. "Parecia que tinha escalado o Monte do Evereste e chegado ao topo", afirmou Abott após ter conseguido fazer a correspondência de ADN.
Ainda assim, permanece a dúvida sobre a causa da morte do homem, assim como as palavras finais de um poema persa encontrado no seu bolso e o que parecia ser um código de guerra rabiscado num livro, o que durante muitos anos provocou especulações de que o homem de Somerton era um espião. Estas informações podem agora ser reinterpretadas com informações de registos públicos.
O corpo do homem de Somerton foi encontrado por banhistas nas primeiras horas de 1 de dezembro de 1948 na praia de Somerton, em Adelaide. O homem foi descrito como alguém com cerca de 1,80 m de altura, na casa dos 40 anos, com olhos azul-acinzentados e cabelos castanhos ruivos que estavam a ficar grisalhos nas laterais, mas que não tinha qualquer identificação.
Nos bolsos a polícia encontrou um bilhete de comboio que sugeria que o homem tivesse viajado para a estação ferroviária de Adelaide na véspera e despachado uma mala na sala de bagagens da estação. Na mala estavam roupas com as etiquetas arrancadas, mas a polícia disse num inquérito que um alfaiate acreditava que um casaco tinha origem nos Estados Unidos. Ainda assim, a investigação não conheceu avanços durante décadas.
As impressões digitais e a fotografia do homem foram enviadas para todo o mundo. Em janeiro de 1949, o diretor do FBI confirmou que os Estados Unidos não encontraram correspondência para as impressões digitais nos seus arquivos.
Meses depois, um patologista reexaminou as roupas do homem e encontrou um bolso escondido que continha um pedaço de papel enrolado onde se podia ler "Tamam Shud", que significa "o fim" ou "acabado" em persa, as palavras finais do poema "The Rubaiyat", do polímata iraniano do século XI Omar Khayyam, que foram arrancadas de um livro posteriormente entregue à polícia por um homem não identificado.
A polícia investigou um número de telefone escrito à mão de uma mulher que morava nos subúrbios de Glenelg, em Adelaide. A mulher ficou horrorizada quando lhe mostraram o corpo, embora tenha afirmado que não conhecia o homem. Perto do número de telefone havia letras rabiscadas que alguns investigadores alegavam tratar-se de um código secreto de guerra, mas todas as tentativas de o decifrar fracassaram.
Paralelamente, Derek Abbott descobriu que Carl Webb nasceu a 16 de novembro de 1905, um subúrbio da capital do estado de Victoria, Melbourne, e era o mais novo de seis irmãos.
Pouco se sabe sobre a infância de Webb, que mais tarde se casou com Dorothy Robertson, conhecida como Doff Webb.
Quando Webb se tornou na principal pessoa de interesse na árvore genealógica, Abbott e Fitzpatrick vasculharam registos públicos em busca de informações, tendo verificado cadernos eleitorais, arquivos policiais e documentos legais, mas não encontraram qualquer fotografia para fazer uma correspondência visual.
"O último registo conhecido que temos dele é em abril de 1947, quando se separou de Dorothy", disse Fitzpatrick, fundadora da Identifinders International, uma agência de investigação genealógica envolvida em alguns dos casos mais importantes dos Estados Unidos.
"Ele desapareceu e a mulher apareceu no tribunal, dizendo que ele havia desaparecido e ela queria-se divorciar", referiu Fitzpatrick, que acrescentou que o casal não tinha filhos.
Fitzpatrick e Abbott dizem que Dorothy pediu o divórcio em Melbourne, mas documentos de 1951 revelaram que ela se mudou para Bute, na Austrália do Sul, 144 quilómetros a nordeste de Adelaide.
As informações nos registos públicos sugerem que Webb gostava de apostar em corridas de cavalos, o que pode explicar o código encontrado no livro, que podia corresponder aos nomes dos cavalos. Também foi descoberto que Webb gostava de poesia e até escreveu alguns poemas, o que pode justificar a presença das palavras "Tamam Shud".
Mas esta correspondência só é possível porque, em 1949, quando ninguém se apresentou para identificar o corpo, o óbito foi embalsamado, tendo sido feito um molde de gesso no rosto do homem, como um lembrete físico de quem ele era, tendo alguns cabelos inadvertidamente ficado presos no gesso, preservando algum ADN, enquanto o resto do corpo foi enterrado.
Décadas depois, em 1995, Abbott ouviu falar do caso e começou a tentar desvendá-lo, tendo tido acesso a 50 cabelos embutidos na máscara de gesso do corpo em 2011.
Seguiu-se mais de uma década de investigações até se ter chegado à conclusão de que o corpo pertencia a Webb. "Só podemos ter 99,99% de certeza de que estamos certos, mas coisas estranhas acontecem. Pode haver uma reviravolta. E se, hipoteticamente, este homem tivesse um irmão que não saibamos que foi adotado desde o nascimento e este seja esse seu irmão?", afirmou Abbott, que começou a investigar o caso quando procurava a identidade do pai daquela que viria a ser a sua mulher, Rachel Egan.