Produção
leonor figueiredo
As filmagens em Lisboa para a série O Barco do Amor serviram de rampa de lançamento para o produtor Fernando Costa ficar com contactos internacionais. O que lhe proporcionaria um dos grandes desafios da vida profissional acompanhar Francis Ford Coppola, o produtor executivo de Coração de Leão (1987), durante as filmagens na praia do Abano, Óbidos e Mafra, como fornecedor de material e chefe de electricidade.
Naquele tempo, Fernando Costa, actual dono da Cinemate - uma produtora de cinema e televisão que também aluga material cinematográfico -, não tinha dinheiro, mas valeu-lhe o engenho e o espírito do desenrasca para estar à altura das solicitações.
"Eram grandes produções, precisávamos sempre de muito material moderno. Eu não tinha essas condições. Decidi então ir a Espanha, aluguei o material, trouxe-o para Portugal, pintei-o com a marca Cinemate. Os produtores ficaram satisfeitos com o material que eu tinha ao dispor e, depois, claro, voltei a pintar tudo como tinha vindo do meu amigo Sanchez. Foi assim que fiquei a ser conhecido lá fora. Quando vinha a Portugal alguma equipa estrangeira, tinha sempre a minha referência", recorda ao DN Fernando Costa, hoje com 65 anos.
A sua participação resumia-se, na época, ao aluguer de material e ao papel de mediador para facilitar a vida aos produtores ingleses, franceses e espanhóis, que faziam umas filmagens de passagem, em Lisboa, para as longas-metragens. Já na altura apreciavam a luz da cidade para filmar. "Eles gostavam de filmar no Guincho, para as cenas do deserto, e em Sintra, para fazer de conta que era o Vietname. Até lhes arranjámos uns chinocas."
Trabalhar com Francis Ford Coppola foi outra das suas muitas aventuras. "Eu só tinha um camião em segunda mão e um gerador. As filmagens decorriam na praia do Abano e quando mais perto estivesse o gerador, melhor. Arranjei então maneira, de uma forma que seria complicado explicar, para que os meios pretendidos ficassem o mais perto possível do plateau. Ele não acreditava que eu conseguia. Então, fizemos uma aposta. Como ganhei, o Coppola ofereceu-me um jantar de lagosta. Era muito simpático e exigente. Gostou tanto do nosso trabalho que, quando se foi embora, deixou-nos o material que tinha ficado no escritório deles, num dos três pisos que alugaram no Hotel Estoril-Sol. Deu-nos muito jeito."
Relíquias. Ainda hoje Fernando Costa possui um museu caseiro, na sede da Cinemate, em Loures, onde guarda as relíquias do passado. Entre elas estão uns projectores comprados em saldo quando a célebre Cinecittà faliu em Roma.
Fernando Costa já tem inúmeros quilómetros de rodagem. Começou por fazer recados na Tóbis, aos 17 anos, e por aí foi subindo. Acompanhou Perdigão Queiroga (em O Fado de Amália e em As Pupilas do Sr. Reitor na primeira versão a cores) e outros nomes conhecidos do cinema português.
Andou durante 12 anos com uma câmara às costas a fazer reportagens para o Actualidades, noticiário que no passado antecedia a exibição de um filme. Como produtor associado e operador de câmara, rodou a Estrada da Vida e Pão, Amor e Totobola, além de praticamente todas as fitas de António Calvário.
"Trabalhei com os principais actores portugueses da época e alguns realizadores, como o António Duarte. Fiz também uns 60 filmes com o Jesus Franco."
Comprou a Cinemate por 600 contos, "uma pechincha na altura", no final dos anos 60, e transformou-a numa empresa de aluguer de material cinematográfico, com estúdio incluído. "O objectivo era captar o mercado de publicidade, que estava ainda numa fase muito embrionária."
A joint venture que fez com a Tóbis nos anos 90 não resultou. Desiludido com a administração do Estado, acabou com a sociedade da Lisboa Filmes. Valeu-lhe depois "o ano de ouro do cinema português" (1998). "Fizemos muitos filmes e publicidade. As longas-metragens, se hoje têm material, devem-no à publicidade. Exige o material que acabou de sair para o mercado. E nós somos obrigados a comprar. Ainda hoje é assim. Temos sempre de ter tudo, desde gruas a camiões geradores e projectores".
Depois desta fase, com a parceria para a TV Medicina que não correu bem, a necessidade financeira levou a empresa a voltar-se para a produção de filmes e documentários. E Fernando Costa tornou a sua empresa familiar. Agora é uma das filhas, a Ana Costa, que está à frente do negócio, assim uma irmã, os respectivos maridos e uma neta. Na sede em Loures está montada uma estrutura que também possui oficina de manutenção e mecânica de material cinematográfico.
indústria. Actualmente, a Cinemate lançou-se em grandes produções e trabalha sobretudo para o mercado internacional, já que o português é muito reduzido para os custos destas operações.
"No ano passado fizemos dez telefilmes franceses e temos trabalhado muito, sobretudo com finlandeses, suecos e alguns ingleses", explica, ao DN, a actual "cabeça" da Cinemate, Ana Costa, embora insista que o pai "ainda é o símbolo da casa".
A opção da empresa, considerada entre as maiores 1200 do País, e a primeira produtora com equipamento - é o mercado estrangeiro. "O cinema é uma indústria mas não o é em Portugal. Decidimos então voltar-nos para fora, com filmes em África e internacionais, além de continuarmos com os projectos especiais para teatros e televisão em Portugal".
O filme A Ilha dos Escravos, cuja rodagem o DN acompanhou no Brasil a convite da empresa, foi "a primeira grande produção da Cinemate e deve ser um dos maiores orçamentos de filmes portugueses", implicando 1,7 milhões de euros (ver entrevista ao lado).
A aposta em Moçambique, onde a empresa tem uma delegação, também se revelou positiva a partir do ano passado. "Formámos técnicos moçambicanos e aproveitámos o material que se encontrava lá e seria muito caro mandar regressar. Os primeiros cinco anos não valeram a pena, mas agora estamos praticamente todos os anos a filmar em Moçambique. Há uma hipótese de ir para Angola, mas tenho feito alguma resistência", sublinha Ana Costa.
Para manter a Cinemate no bom ritmo económico, "a empresa sempre deu lucro", a produtora trabalha muito com todas as estações de televisão, no aluguer de estúdios, material e produção. Por ali já passaram muitos programas, como A Rua Sésamo, Malucos do Riso, Escova de Dentes, Ai os Homens, Pátio da Fama, Clube dos Campeões e, mais recentemente, Chuva de Estrelas. No tempo de eleições no País os serviços da produtora também são solicitados, nomeadamente os da "grua telescópica" (uma das duas existentes na Península Ibérica), porque permite filmagens muito abrangentes, mostrando tudo sobre as entradas e saídas dos políticos para os estúdios de televisão.