Prodígio português toca para maestro com apenas 11 anos

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No ano seguinte, criava obras para piano solo que ainda hoje constam do seu catálogo

Nem Peça em Forma de Princípio nem Três Andamentos à Procura de Um Quarteto. O último miúdo da fotografia do sofá, publicada no DN de 28 de Abril de 1950, ainda não tinha dez anos, mas já era um menino prodígio. E, no entanto, na actual página que António Victorino d'Almeida tem na Internet só regista as suas primeiras composições no ano seguinte: Tema e Variações e 10 Peças Curtas, ambas para piano e, como quase todas as da juventude, mais tarde "revistas". Mas há biografias que garantem que o "Antonito" terá composto a primeira obra aos cinco anos e, aos sete, na sua primeira audição pública, além de obras de Mozart e Beethoven, terá interpretado duas peças da sua autoria. Dois anos após esta fotografia, António Victorino Goulart de Medeiros e Almeida, de seu nome completo, nascido a 21 de Maio de 1940, escrevia as partituras de 3 Corais de Natal, para coro em vocalizo, 7 Danças, para piano solo, Ave Maria, para voz e piano, 2 Caixas de Música e iniciava 12 Prelúdios, mais dois opus para piano.

A pequena legenda da foto que o DN publicava na primeira página não destacava o prodígio português, que começou os estudos musicais aos seis anos, teve Joly Braga Santos como professor de composição e concluiria o Curso Superior de Piano do Conservatório de Lisboa com 19 valores, obtendo assim uma bolsa do Instituto de Alta Cultura para estudar em Viena. Na época, o destaque era a visita de Roberto Benzi, o maestro italiano de 11 anos de idade que coleccionava adjectivos. Mas voltemos à figura que, num inquérito da revista TV Guia aos seus leitores, em 1992, foi considerado "o músico mais popular do País".

É pouco provável que os leitores-votantes conhecessem o seu catálogo com quase centena e meia de peças: tocatas e serenatas, sinfonias e óperas (O Canto da Ocidental Praia e A Ópera dos sem Vintém), fantasias e nocturnos, sonatas e Sonatina Absurda, oito suites teatrais (para o TEP e o TEC, o Teatro Nacional D. Maria II e o Teatro da Graça, A Barraca e o Bando, o Burgtheater de Viena e o Kammerspiel de Hamburgo, etc.), Te Deum e Gaudeamus, elegias e bagatelas, À Memória do Meu Sótão e Para Uma Criança Que Vai Nascer, lieder e canções tradicionais, Capricho Sobre Um Teatro de Fantoches e Mazurca para Pauline, valsas de salão e Valsa Imprópria para Salão, variações e fuga, Missa de São Judas Tadeu e Fado com Blue Obligato, marchas e rapsódias, Ficções do Interlúdio (sobre Fernando Pessoa) e 2 Sonetos de Camões, Epigrama de Bocage e 5 Canções Sobre Natália Correia (e outras composições inspiradas em palavras de Bertold Brecht ou de Herberto Hélder), Casamento à Moda Antiga e Pornofonia, divertimentos e música de câmara, A Vida de Um Não-Herói e O Chacareiro Maníaco.

E nest'A Fábrica dos Sons, como se chama o seu opus 44, cabem ainda canções interpretadas por Erika Pluhar (dos Wiener Lieder à música da Broadway), quatro fados para Carlos do Carmo e um para Misia (com texto de José Saramago), Invenções Livres em parceria com Carlos Paredes, obras gravadas pelo Opus Ensemble, orquestração de temas dos Madredeus e de Rui Veloso, bandas sonoras de filmes como O Cerco (António Cunha Teles), A Estrangeira (João Mário Grilo), Três Palmeiras (João Botelho) ou Capitães de Abril (da sua filha Maria de Medeiros).

Ainda a Sinfonia Concertante, escrita em 1970 para orquestra, coro e solistas, que apresentou em 1982 em Vilar de Mouros, onde disse que "nunca [tinha esperado] ouvir músicos antifascistas a ser assobiados" no festival, o que só se justificava por "os cavalos da GNR [que faziam um aparatoso cerco ao recinto] terem deixado entrar os burros". Era a sua faceta mais provocadora, em que se tinha destacado, anos antes, na polémica sobre a má qualidade do rock, que costumava ouvir nos rádios dos táxis de Viena, embora sem saber, como lhe lembraria Pedro Osório, quem era Frank Zappa. Depois, em 1998, compunha, para piano, viola e contrabaixo, Rock and roll.

Mas não é pela sua obra de compositor, pela sua batuta de maestro, pela sua actividade de pianista que gravou Chopin, Bach e Beethoven, pelo filme A Culpa (onde se estreou a sua filha Inês de Medeiros, então com dez anos, e foi premiado no Festival de Huelva), pelos romances Coca-Cola Killer e Tubarão 2000, pelo livro-reportagem Polisário ou Memória da Terra Esquecida, nem sequer pela candidatura ao Parlamento Europeu na lista do MDP/CDE, em 1989, que António Victorino d'Almeida é tão famoso.

A sua popularidade vem, sobretudo, da televisão, desde os tempos em que, ainda em Viena e muito antes de ser intérprete na série Residencial Tejo, era o autor-apresentador-realizador de Histórias da Música. Em programas como Tema e Variações, A Música e o Silêncio, A Nota Sensível, As Fontes do Some Duetos Imprevistos (apresentado com Bárbara Guimarães), o senhor da bengala mostrou ser um comunicador de talento, capaz de cativar os espectadores ao dissertar sobre música erudita. Mesmo os que nunca ouviram o seu Concerto de Pífaro e Fungágá ou a sua Inquietação na Pandeireta.

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