Procurador e juiz do caso Sócrates repetem receita chumbada há cinco anos

Segredo de justiça como medida cautelar já foi rejeitado num caso do BPN com Rosário Teixeira e Carlos Alexandre.
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A mesma questão, os mesmos protagonistas: há cinco anos, o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre tentaram justificar a manutenção do segredo de justiça num processo ligado ao BPN como "medida cautelar", dado que ainda não estava decretada a especial complexidade da investigação. Em março de 2010, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) considerou "ilegal" esse argumento. Cinco anos mais tarde, e agora no caso de José Sócrates, os mesmos protagonistas insistiram na receita, mas o resultado acabou por ser o mesmo, com o TRL a rejeitar tal modo de atuar.

Foi já depois do final do prazo legal para a fase investigação do processo que envolve o empresário Ricardo Oliveira e o antigo ministro da Saúde Arlindo Carvalho (suspeitos de burla ao BPN) que se encontra em julgamento, que o procurador Rosário Teixeira pediu ao juiz Carlos Alexandre, em novembro de 2009, para decretar o segredo de justiça (isto é, mantendo os arguidos sem acesso aos autos), enquanto não estava declarada a especial complexidade dos autos, o que iria alargar tal prazo. O juiz acabou por concordar com o procurador, decretando "à cautela" a manutenção do segredo de justiça.

Um dos arguidos recorreu e, a 17 de março de 2010, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que tal procedimento era ilegal, dizendo que o juiz de instrução ao decretar num processo o segredo de justiça cautelarmente atuou "sem base legal para a exceção que consagra que os autos se mantenham em segredo de justiça por um período transitório, até ser proferido um ulterior despacho", escreveram as juízas desembargadoras Maria José Costa Pinto e Teresa Féria no acórdão disponível em www.dgsi.pt. Porém, ambas as magistradas não deram um acesso imediato aos arguidos ao processo uma vez que, ainda segundo a decisão de 2010, "não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não colocadas perante o tribunal recorrido". Ou seja, aparentemente, os arguidos apenas limitaram-se a contestar o despacho do juiz de instrução, que concordou com o Minis- tério Público (MP), não pedindo o acesso imediato.

Operação Marquês

Cinco anos depois daquela decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, Rosário Teixeira e Carlos Alexandre voltaram a insistir na mesma tecla, agora no processo Operação Marquês. Foi em abril deste ano que o procurador promoveu junto do juiz de instrução uma prorrogação do segredo de justiça, uma vez que a declaração de especial complexidade no processo de José Sócrates ainda estava a ser apreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa: "Assim, face ao cenário do decaimento da declaração de excecional complexidade, porque subsiste o interesse da essencialidade para a investigação na subsistência do regime do segredo do justiça, promovemos que se declare a prorrogação da vigência do segredo do justiça", escreveu Rosário Teixeira.

Na resposta, o juiz Carlos Alexandre afirmou concordar com os argumentos apresentados pelo procurador e cautelarmente, tal como em 2009, decidiu que os arguidos não teriam acesso aos autos, pelo menos, enquanto o TRL não confirmasse a especial complexidade.

Esta decisão mereceu fortes críticas dos juízes desembargadores Rui Rangel e Francisco Caramelo: "O Ministério Público é, como sabemos, o dono do inquérito! Ser o dono do inquérito não significa que se pode tudo, mesmo fazendo coisas sem qualquer fundamentação legal", começaram por dizer os desembargadores, acrescentando depois que, apesar da falta de fundamento legal do procurador, o juiz de instrução avalizou uma "autoestrada do segredo, sem regras", a qual passou sem "qualquer censura pelo Sr. Juiz de instrução, desprotegendo de forma grave os interesses e as garantias de defesa do arguido" José Sócrates.

O DN questionou a Procuradoria-Geral da República por que motivo o procurador voltou a usar um expediente já considerado "ilegal" em 2010, mas não obteve qualquer resposta. Entretanto, a defesa de Sócrates aguarda que o MP lhe dê acesso ao processo.

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