Problemas sociais na Tunísia foram ignorados desde 2011 -- académico e ativista

Os atuais protestos generalizados na Tunísia nasceram dos problemas sociais que estiveram na origem da revolução de 2011 e que foram ignorados, para além de um reforço do aparelho securitário, referiu à Lusa um ativista tunisino.
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Nos últimos dias, cerca de 300 pessoas foram detidas na Tunísia na sequência de novos protestos sociais, por vezes violentos, motivados pela entrada em vigor de fortes medidas de austeridade, incluindo aumento dos preços e dos impostos.

"Existe uma evidente abertura política, com todos os seus problemas, existe espaço político, liberdades políticas mínimas, eleições relativamente democráticas. Isso é algo de novo e positivo", considerou o geógrafo e ativista Habib Ayeb, 63 anos, em declarações por telefone à Lusa esta quarta-feira.

No entanto, o país que se revoltou em dezembro de 2010 e janeiro de 2011, acabando por derrubar a ditadura de Zine El Abidine Ben Ali, em fevereiro desse ano, e dando início à designada Primavera árabe, acabou por menosprezar as questões sociais e económicas, originando novos protestos cíclicos.

"A desigualdade, desemprego, pobreza, foram fortemente agravadas desde 2011. Nunca houve tanta pobreza como hoje, o número de desempregados subiu para níveis nunca atingidos, e não se sabe como resolver este problema", assinala.

O ativista e académico tunisino, que partilha o seu trabalho entre a cidade francesa de Lyon e Tunes, assinala que ao agravamento dos problemas sociais tem correspondido um reforço do aparelho securitário, das forças policiais e militares, "a um nível que nem sequer Ben Ali poderia sonhar".

"É extraordinário, os equipamentos que são fornecidos à polícia, os seus salários, o mesmo para as Forças Armadas, o sistema informático... Todas as pessoas estão identificadas, há pessoas que são levadas a tribunal por um 'post' no Facebook", acrescenta, antes de recordar que os membros das forças de segurança garantem dos salários mais elevados do país.

Habib Ayeb assinala que, no quotidiano do país, a presença policial é omnipresente durante o dia nas principais localidades, com frequentes abordagens para pedir documentos de identificação, em qualquer local e perante toda a gente.

"É uma questão de humilhação", sugere. "O resultado é que as pessoas, como sabem que durante o dia a polícia está presente por todo o lado, reproduzem as experiências que ocorreram noutros locais, como recentemente no Irão e outros países, e ocupam a rua no final da tarde e à noite, quando há menos efetivos policiais e os meios de vigilância não são tão definidos".

O aumento sem controlo do custo de vida, a desvalorização do dinar face ao euro, a ausência de perspetivas para a população jovem do país, o alastramento da pobreza, a constante e agressiva presença policial nas ruas, explicam a nova vaga de contestação, que assume características generalizadas.

"Desta vez, ao contrário de outras ocasiões, os protestos estão por todo o lado. Do extremo sul ao norte, do leste a oeste do país não há uma povoação que não esteja a mexer", garante.

Em paralelo, grande parte das ajudas ou empréstimos das entidades internacionais, do Banco Mundial, FMI ou União Europeia, têm sido canalizados para a área da segurança.

"É antigo regime que regressou, o ministério do Interior. O antigo regime assentava no ministério do Interior, que protegia e segurava o regime de Ben Ali. É a vingança. Receberam um forte golpe em 2011, desapareceram por um momento e depois, sob o pretexto de controlar os protestos, ou de combater o terrorismo, todos são suspeitos", frisa o ativista.

Uma atuação, sustenta, que tem a cumplicidade dos dirigentes políticos e líderes partidários "sejam de esquerda ou de direita" e que se tornaram "totalmente cúmplices deste 'complot' que tomou a revolução como refém".

O académico sugere que os principais partidos do país magrebino se organizaram para partilhar o poder e forma quase exclusiva, incluindo a oposição com representação parlamentar.

"Os partidos beneficiam de consideráveis privilégios, mas são eles que marginalizam as questões sociais. O parlamento recusa-se a discutir as questões sociais na Tunísia".

Em termos económicos, considera que a Tunísia "está hoje a ser tratada como foi a Grécia há dois ou três anos", com uma ajuda internacional "mais condicionada que nunca" num país que "não tem ninguém para o apoiar".

O académico enumera as diversas exigências impostas a Tunes em troca dos empréstimos externos: abertura total das fronteiras para a entrada de mercadorias estrangeiras, proibição dos vistos -- "hoje é praticamente impossível a alguém garantir um visto para ir à Europa", indica --, manutenção de salários muito baixos, despedimentos ou redução dos funcionários públicos, liberalização total do mercado e do valor do dinar tunisino.

"São medidas estritamente económicas, a que se junta a questão da segurança, que faz parte do pacote imposto a nível internacional. Não se trata de desejar um regresso do antigo regime, mas os europeus exigem que a segurança da Europa seja assegurada pelo Governo tunisino, naquilo que lhe diz respeito", conclui.

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