Problemas Financeiros e Saúde Mental

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O dinheiro não traz nem felicidade nem saúde. Será?

O custo de vida (incluindo bens essenciais) tem aumentando nos últimos tempos. Durante a Pandemia foram muitas as pessoas que perderam rendimento (parcial ou total) e no "pós-pandemia" as dificuldades económicas continuam a aumentar ou a agravar-se. Devemos todos estar em alerta. Muito alerta, em especial aos sinais que podem começar a aparecer.

No que respeita à nossa saúde ou doença mental os problemas financeiros estão na "linha da frente" dos fatores de risco, sobretudo quando estes chegam acompanhados da incerteza em relação ao futuro que tanto a Pandemia como a guerra provocam.

É sabido que o desemprego, a precariedade laboral, os problemas financeiros - e uma vivência prolongada nesta realidade - podem provocar, com frequência, sofrimento psicológico, diminuição do bem-estar associado à (in)felicidade, perturbações psicopatológicas, angústia, insónias, stress, ansiedade, desesperança, tristeza prolongada, depressão, sentimentos de culpa, baixos níveis de auto-eficácia e confiança, são tudo sinais que, a curto prazo, se podem "associar" a doença mental.

Pior, nestes contextos a impotência para alcançar soluções imediatas, associada à dificuldade de reconhecer problemas de saúde mental, levam, não poucas vezes, à utilização de estratégias desadaptativas para lidar com os problemas, como por exemplo, isolamento, consumo de álcool ou drogas.

"Ouvi dizer que o António se suicidou. Parece que estava cheio de dívidas". É uma frase que vem muitas vezes acompanhada da constatação de que os problemas financeiros podem ser trágicos na vida de alguém. Existe, de facto, maior pré-disposição para o suicídio em pessoas que vivem com dificuldades financeiras.

Estes são alguns exemplos do impacto negativo que os problemas financeiros podem ter na saúde mental. Todas as dimensões da nossa vida, podem ser afetadas negativamente pelos problemas financeiros.

Alguns exemplos: a nível familiar, a expressão "casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão", é uma realidade. As dificuldades económicas interferem negativamente na dinâmica familiar, contribuindo para o aumento de conflitos e violência. A nível social, em muitos casos, podemos observar maior isolamento, sentimentos de solidão e vergonha. A nível profissional, as dificuldades de concentração e motivação podem afetar o desempenho de qualquer trabalhador e em alguns casos aumentar o sofrimento psicológico e o medo de perder aquele emprego, numa situação em que já se está bastante vulnerável.

Como posso viver com saúde física ou mental; como fazer uma boa regulação das minhas emoções ou sentir bem-estar, se não consigo pagar as despesas que o viver a minha vida precisa? Como, se tenho que fazer ginástica olímpica no supermercado para conseguir alimentar a minha família durante o mês ou quando tenho que escolher o que pago e o que deixo para depois? Como posso não sentir uma culpa envergonhada, quando tenho que trocar a alimentação dos meus filhos, porque não consigo que todos os dias comam carne ou peixe. E se não vivo, desta forma, a minha situação precária e/ou os baixos rendimentos dizem-me todos os dias, que em breve, posso estar a fazer estas escolhas.

Não se vive, sobrevive-se.

É difícil, de facto, quebrar um ciclo de autorresponsabilização, mesmo que racionalmente saiba que as causas de alguns problemas me "transcendem", e estão muito acima da nossa capacidade individual de intervenção.

No entanto, importa pensar que, noutras fases da vida, tivemos problemas difíceis de ultrapassar, mas conseguimos.

Acredite em si. Tenha esperança. Deixe a culpa e vergonha - os últimos dois anos e meio têm sido muito desafiadores. Peça ajuda dentro da sua rede social (não necessariamente a rede online) e na sua comunidade. Se for caso disso procure ajuda profissional.

E olhemos para o lado. Sejamos empáticos e solidários. Estamos todos na mesma tempestade, era importante estarmos também no mesmo barco. Isso pode aumentar a probabilidade de cada um sobreviver à intempérie.

Ana Carina Valente é Psicóloga, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde

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