Prisões

Estatísticas sobre a evolução da criminalidade são sempre complexas de analisar<br />
Publicado a
Atualizado a

As estatísticas sobre a evolução da criminalidade são sempre complexas de analisar. Não apenas porque os crimes declarados às autoridades não coincidem exactamente com os praticados, havendo um certo número de casos que não chegam às entidades oficiais, mas também porque as comparações falam de números agregados quando o interesse para a prevenção e a actuação futura está sobretudo na sua leitura fina em termos regionais e locais e por perfis dos próprios criminosos.

Mas as estatísticas são relevantes na parte em que indiciam grandes tendências por tipos de crimes. Nesse particular, o aumento da criminalidade violenta exige uma análise cuidada quer das suas causas, quer das vulnerabilidades que o propicia quer da motivação dos seus agentes.

Um dos motes mais comuns no discurso político perante um aumento da criminalidade consiste na queixa de que é escassa a utilização da prisão preventiva por parte dos juízes e que esse pretenso laxismo é responsável pela reincidência. Acresce que se invoca também a alteração recente da legislação penal e processual penal como causa da libertação de presos que reincidem na actividade criminosa.

Dados divulgados há alguns meses mostram que estas leituras são apressadas: nem o número de presos preventivos é inferior à média europeia, nem a lei teve o efeito que lhe é imputado nem a taxa de reincidência entre nós aumentou significativamente. Mas o debate político vai decerto prolongar-se em torno destas interpretações.

O que normalmente não figura nestas análises é a relação entre o sistema prisional e a evolução da criminalidade. Mesmo os mais acrisolados protagonistas de um discurso securitário tendem a escorraçar do seu discurso a função das prisões e quando desempenham cargos políticos o investimento neste sistema de garantia do Estado de direito nunca figura como uma sua prioridade. Só assim se explica que durante mais de década e meia não tenha havido investimentos de monta nas infra-estruturas prisionais e que não se tenha antecipado nesse plano a evolução previsível da criminalidade entre nós.

As prisões são um mundo concentracionário, por definição subtraído ao olhar do grande público. Sabe-se que a dupla missão que lhes está confiada é cumprida desigualmente: por um lado, expia-se a pena e, por outro, prepara-se a ressocialização dos detidos.

A primeira vertente é normalmente enfatizada, a segunda, menos sublinhada, embora existam entre nós casos e práticas muito interessantes neste domínio.
Um relatório do professor Freitas do Amaral veio há alguns anos chamar a atenção para a necessidade de uma intervenção de fundo no sector prisional. Esta semana, o Ministério da Justiça veio divulgar não apenas um programa de investimentos na construção e modernização de prisões no valor de 450 milhões de euros, mas também uma reformulação do sistema de detenção segundo critérios de especialização em função da natureza dos presos (preventivos, condenados, em regime aberto com ou sem actuação dos presos no exterior) mas também da gravidade dos crimes e do elevado risco de segurança envolvido.
O novo modelo de organização do sistema prisional vai ter de conciliar estes critérios com regras de proximidade dos presos em relação ao lugar de vida dos seus próximos, designadamente familiares, o que não será decerto uma tarefa fácil mas que releva na vertente da ressocialização.

No desenho destas soluções importa, por isso, considerar a ligação que existe entre a lógica de organização e funcionamento das prisões e a evolução da própria criminalidade, em termos regionais e em termos de gravidade dos crimes. Com efeito, muitas vezes, a tendência para a radicalização da criminalidade e para o contágio para formas mais elevadas de violência criminal começa nas condições do regime de detenção, sendo pois aí que se impõe tomar desde logo as precauções necessárias.

Só assim se poderá compreender que as prisões não são apenas uma forma de punir culpados por actos criminosos mas também instrumentos de salvaguarda da segurança e da paz públicas cumprindo uma função preventiva e ressocializadora.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt