Prisão de Cabral comemorada por vizinhos, índios e Garotinho
A prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, o poderoso Sérgio Cabral, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), causou um Carnaval fora de época. Os vizinhos do político no exclusivo bairro do Leblon gritaram das varandas "ladrão, ladrão" e comemoraram a Operação Calicute, desdobramento da Operação Lava-Jato, junto ao seu prédio. Em frente à sede da Polícia Federal, para onde foi levado após a detenção, no meio dos festejos dos populares destacavam-se indígenas movimentando-se em círculo, de caras pintadas e chocalhos nas mãos. Até o antecessor de Cabral, o controverso Anthony Garotinho, que fora preso na véspera, celebrou o desfecho no seu blogue: "Cabral, chegou a sua hora!".
A hora de Cabral era, de facto, esperada, há meses por quem acompanha de perto a Lava-Jato, operação policial que investiga o escândalo de corrupção na Petrobras, e por quem segue a política carioca - durante a tarde de quinta-feira, o maior jornal da cidade, O Globo, publicou imediatamente uma longa reportagem na sua edição online preparada há meses com detalhes sórdidos da sua gestão.
Parte desses detalhes foram partilhados pelos próprios procuradores do Ministério Público que comandaram a Operação Calicute. Segundo eles, o ex-governador comandava um esquema de corrupção no Rio de Janeiro que desviou 224 milhões de reais (cerca de 60 milhões de euros) e incluiu subornos mensais de construtoras na ordem dos 500 mil reais (perto de 140 mil euros).
Móveis, carros e vestidos
Com esse dinheiro, descobriu a investigação através das movimentações bancárias, Cabral investiu quantias vultuosas na compra dos mais modernos eletrodomésticos, equipamentos gastronómicos e móveis. Além de serviços de blindagem de carros, de dois buggies e de uma lancha. E de vestidos de festa para a mulher, a advogada Adriana Ancelmo, de relógios de luxo, de joias da Cartier, de obras de arte e até de um buffet para uma festa de aniversário do filho.
A tendência para o luxo de Sérgio Cabral - que no exercício das suas funções se deslocava diariamente de sua casa para a sede do governo de helicóptero, apesar da proximidade entre os locais - foi amplamente difundida há três anos, quando circulou nas redes sociais o vídeo de um jantar num badalado restaurante de Paris onde ele e casais amigos dançavam de guardanapos na cabeça.
No grupo de amigos, conhecido a partir daí como "gangue dos guardanapos", estava o dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, detido há meses e cuja delação premiada atingiu o ex-governador do Rio de Janeiro.
Cabral foi um dos mais influentes políticos brasileiros até 2014. Conhecido como Serginho, para se distinguir do pai, o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral, começou na juventude partidária do PMDB, passou pela secretaria de Turismo do Rio e foi eleito três vezes deputado estadual até se destacar como presidente da Assembleia Legislativa.
Aliou-se à família Garotinho, com a qual rompeu posteriormente, e ao antigo presidente Lula da Silva, durante a gestão deste no Planalto, então sustentada por uma aliança entre o PMDB, de Cabral, e o Partido dos Trabalhadores (PT), do ex-sindicalista. A relação sólida entre Lula e Cabral ajudou na candidatura do Rio à organização dos Jogos Olímpicos deste ano.
Graças ao sucesso na candidatura olímpica, o ex-governador tornou-se tão influente que apadrinhou as candidaturas de Eduardo Paes para prefeito carioca e de Luiz Fernando Pezão (calça número 48) para a sua sucessão no governo fluminense - venceu ambas. Entre as obras para os Jogos está a da reforma do Estádio Maracanã, uma das envolvidas na investigação policial. Para essa obra, foi demolido um assentamento indígena ao lado do estádio onde moravam os índios que festejaram agora a detenção de Cabral. "Fizemos um ritual de purificação que pune quem nos fez mal, eles mexeram com os nossos antepassados, chegou a nossa vingança", disse um deles ao jornal O Estado de S. Paulo.
Mas se no Rio se festeja, em Brasília receia-se eventual contágio. Cabral, barão do mesmo partido do presidente Michel Temer e do também carioca Eduardo Cunha, tem forte relação com o governo. "Apesar de esperada, a prisão dele gerou apreensão no Planalto e no PMDB pelo que pode vir pela frente", escreve Valdo Cruz, colunista do jornal Folha de S. Paulo.
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