Primeiros segredos de Prince revelados em "Purple Rain"
De Prince já se sabia que era bastante controlador com a sua obra. Até ao dia da sua morte, a 21 de abril de 2016, nunca parou de gravar, olhando sempre para o que o futuro lhe reservava, independentemente de a atenção mediática não ser a mesma de quando nos anos 1980 se tornou a estrela global que marcou para sempre a história da música do século XX. Quando morreu, sabia-se que o seu arquivo estava repleto de nova música, que o músico mantinha guardado a sete chaves (ou melhor, com uma palavra passe que só ele sabia).
O cofre-forte acabou por ter de ser arrombado e, na altura, o Bremer Trust Bank, responsável pela gestão do património do cantor, afiançou que Prince terá deixado música suficiente para lançar um disco por ano durante 100 anos. Mais de um ano depois do seu de-saparecimento, acabam de ser revelados os primeiros inéditos de Prince, numa reedição de Purple Rain.
Purple Rain revela bem o espírito ambicioso e épico que dominava Prince. Se é verdade que o sucesso foi crescente com os cinco álbuns que o precederam, particularmente com o álbum 1999 (1982), antes de criar Purple Rain Prince ainda não granjeava do estatuto que hoje continua a preservar como uma figura ímpar na história da música. Mesmo assim, na altura a sua ambição falou mais alto e quando começou a trabalhar no seu sexto álbum não pensou apenas num disco, mas num filme que o próprio protagonizaria. O álbum serviria de banda sonora. Apesar de algumas das reservas dentro da Warner, o projeto avançou e hoje é o fenómeno que bem se conhece.
Purple Rain é sem dúvida o álbum que mais popularidade deu a Prince. Das nove canções que perfazem o disco, cinco foram lançadas como singles. O álbum vendeu mais de 25 milhões de cópias, sendo a sexta banda sonora mais vendida de sempre. Já o filme, premiado com um Óscar (pela banda sonora), ultrapassou na altura os 70 milhões de dólares em receita de bilheteira só nos EUA.
O sucesso comercial acaba, neste caso, por ser uma consequência do carácter idiossincrático deste álbum. Os géneros musicais são encadeados de tal forma que estabelecer essas fronteiras estilísticas parece tarefa obsoleta para carac- terizar esta transcendência musical. Purple Rain é um disco (e um filme) que espelha uma autêntica revolução individual, no que esta tem de mais vulnerável e libertário e isso deu-lhe um carácter universal que rapidamente fez dele um caso de sucesso global.
Durante a digressão de promoção a 1999, Prince já tomava notas no seu bloco de notas púrpura, no qual desenvolvia o projeto que veio a tornar-se Purple Rain. Com um alinhamento de nove canções, é natural que várias tenham ficado de fora, sendo agora finalmente conhecidos alguns dos temas que entre 1983 e 1984 Prince e os Revolution, a banda que então o acompanhava, foram gravando mas que acabaram na gaveta.
Esta reedição de Purple Rain, além do álbum original remasterizado, inclui um segundo disco, From the Vault & Previously Unreleased, com várias raridades, algumas delas que foram circulando entre os fãs acérrimos em bootlegs (discos não autorizados), e outras - seis para se ser preciso - que nunca foram editadas ou pirateadas. É o caso do instrumental Father"s Song, composto a partir de uma peça não terminada pelo pai de Prince. Apesar de parte desse tema ter sido incorporado na canção Computer Blue, esta é a primeira vez que se ouve por completo. Entre os inéditos estão ainda Electric Intercourse, uma balada não muito distante de The Beautiful Ones (do alinhamento original), ou Possessed, que, diz-se, Prince compôs depois de ter visto um concerto de James Brown.
Existe ainda lugar para duetos com Lisa Coleman (teclista dos Revolution) em Our Destiny/Road-house Garden, tema que terá sido interpretado ao vivo, mas cuja gravação se manteve em segredo até agora, e com Wendy Melvoin (guitarrista dos Revolution)e novamente com Lisa em Wonderful Ass, canção que ao longo dos anos foi circulando em bootlegs. É ainda desvendada uma versão de dez minutos de We Can Fuck, completamente diferente da que fez parte do álbum Graffiti Bridge, editado seis anos mais tarde de Purple Rain.
O terceiro disco desta reedição reúne lados B e novas versões de vários singles, como é a versão de dez minutos de I Would Die 4 U, gravada durante um ensaio e com a participação, entre outros, de Sheila E., então protegida de Prince.
A reedição de Purple Rain está disponível em duas versões: uma com dois CD (o álbum original e o disco From the Vault & Previously Unreleased) e outra com três CD e um DVD (além dos discos mencionados, junta-se um terceiro, Single Edits & B-Sides, e um DVD com o concerto Live at the Carrier Dome, Syracuse, NY, March 30, 1985).
Uma obra que nos permite conhecer um pouco melhor o mistério musical e identitário que Prince continua a ser.