Primeiro processo-crime contra clínica de aborto
É a primeira clínica de aborto ilegal identificada pelas autoridades após a nova legislação. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) já concluiu os dois processos abertos em Dezembro do ano passado a duas unidades, uma na Grande Lisboa e outra no Grande Porto, suspeitas de estarem a actuar à margem da lei. Num dos casos, não foram comprovados actos ilícitos. O outro já seguiu para o Ministério Público.
A clínica identificada nesta acção não está licenciada para a prática de interrupções da gravidez, nem sequer consta dos registos da Direcção-Geral da Saúde como estando autorizada para funcionar como unidade de saúde.
Apesar disso, a acção da IGAS encontrou indícios da existência da prática de crime de aborto. O estabelecimento anunciava os serviços através da Internet, tendo como responsável um médico.
Recorde-se que a interrupção da gravidez continua a ser crime, à excepção das situações previstas no artigo 142.º do Código Penal que, na nova lei, passaram a incluir os abortos a pedido da mulher, até às dez semanas, em local autorizado.
O crime de aborto é punível com pena de prisão até três anos para a grávida e entre dois e oito anos para quem o pratica, o que é agravado em um terço sempre que for realizado com intenção de obter lucro.
Os processos da IGAS tinham sido abertos após a denúncia feita pela Direcção-Geral da Saúde a este organismo, que encontrou referências aos serviços em anúncios e na Internet. E foram concluídos no final de Fevereiro.
O processo já seguiu para as instâncias judiciais e caberá agora ao Ministério Público actuar e perceber em que situações a prática de aborto está a violar a lei. Só o facto de a clínica não estar licenciada já torna estas interrupções num crime.
Os requisitos para a exclusão de ilicitude desta prática são três e têm que ser verificados ao mesmo tempo: o licenciamento, o pedido da mulher e ser até às dez semanas. Mas o resultado da acção não foi conclusivo em relação a todas as situações concretas em que o aborto estará a ser praticado pela clínica.
Questionado pelo DN, o bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, diz que não chegou ao organismo nenhum processo. Mas acrescenta que, caso se confirme que estão envolvidos médicos, a Ordem vai abrir processo disciplinar. "Apesar de o código deontológico o condenar, sempre disse que não abriríamos processos disciplinares a médicos que pratiquem abortos nas situações em que a lei geral os permitem. Mas, se violar a lei, a situação é diferente. Se um médico realizar um aborto às 11 semanas, é crime e está também sujeito a um processo disciplinar, que pode acabar na suspensão ou na expulsão", refere o bastonário.
No outro caso investigado pela IGAS, o processo foi arquivado, já que a clínica garantiu que não fez nem está a fazer interrupções voluntárias da gravidez. E que tem intenção de começar a praticar abortos, mas só depois de estar concluído o licenciamento.
De acordo com a Direcção-Geral da Saúde, a rede de unidades oficialmente reconhecidas para realizarem interrupções voluntárias da gravidez integra apenas três clínicas privadas: a de Oiã, em Aveiro, a dos Arcos e o Hospital do SAMS, em Lisboa. Além destes, há 37 hospitais do Serviço Nacional de Saúde que também fazem interrupções voluntárias no País.