Primeiro doutoramento europeu em sexualidade arranca sexta-feira. Na Universidade do Porto

Produzir conhecimento científico sobre a sexualidade, com o objetivo de o canalizar para o bem-estar social, é o que se propõe o primeiro doutoramento europeu e um dos poucos no mundo que estuda a matéria de uma forma multidisciplinar. Houve o dobro dos candidatos para as 20 vagas, ocupadas por vários estrangeiros
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Há mais abertura para falar de questões da sexualidade, mas ainda há muita desinformação que leva a minimizar os problemas e à criação de ideias irrealistas, mesmo míticas, sobre a performance sexual. "Cada vez mais as pessoas se focam no desempenho em vez de se focarem no prazer." Quem o diz é o especialista Pedro Nobre, coordenador do primeiro doutoramento europeu (e dos poucos a nível mundial) em Sexualidade Humana que arranca sexta-feira com um seminário na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e que trará a Portugal vários especialistas internacionais de renome.

Pedro Nobre, também presidente da Associação Mundial para a Saúde Sexual, explica que uma das principais razões para as disfunções sexuais são precisamente as ideias falsas quanto ao comportamento sexual, como a ideia de que o homem nunca pode falhar. E isto acontece porque "as pessoas são inundadas de mensagens irrealistas, exemplos de exceção que são passados como sendo a norma - através dos filmes, de revistas como as publicações femininas, da pornografia, que apresentam exemplos de exceção como sendo a norma."

Isso leva a que no ato sexual a preocupação seja reproduzir esses exemplos, em vez de ser a busca do prazer. É aquilo a que os especialistas consideram o fator de vulnerabilidade ou de risco, que torna o ser humano mais propenso a ter problemas sexuais porque se sente insatisfeito com o seu desempenho. "A pessoa deixa de ter a vida sexual focada no prazer e isso causa-lhe dificuldades na resposta sexual, aumenta a probabilidade de ter uma vida sexual disfuncional, a resposta psicológica diminui e não há prazer", adianta o professor universitário.

A procura de ajuda apresenta alguns obstáculos de ordem mais prática, que vão além da habitual vergonha de assumir uma disfunção sexual. O coordenador do doutoramento aponta o facto de, em primeiro lugar, a pessoa não saber onde se deve dirigir e soma a isso a impreparação e falta de formação médica para avaliar e reencaminhar o problema. Há um terceiro entrave: mesmo que a pessoas saiba onde pode dirigir-se, o Serviço Nacional de Saúde dá uma resposta insuficiente, tanto mais que as consultas de especialidade em sexologia se centram nos hospitais das grandes áreas urbanas.

Vagas não chegam para candidatos

Sendo a sexualidade um aspeto relevante para a saúde, bem-estar e qualidade de vida em geral, há a necessidade de produzir conhecimento científico sobre o assunto. A isso mesmo se propõe o doutoramento da Universidade do Porto, promovido pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, em parceria com a Faculdade de Medicina e o Instituto de Ciências Biomédica Abel Salazar.

O doutoramento, que teve 40 candidatos para as 20 vagas disponíveis, destina-se a psicólogos, educadores, médicos, enfermeiros, sexólogos e outros profissionais nas áreas da saúde e das ciências sociais e humanas. Conta com vários doutorandos estrangeiros, nomeadamente europeus, africanos e sul-americanos.

Este doutoramento em sexualidade humana multidisciplinar - com a duração de três anos - aborda as questões da sexologia clínica, género e identidade, educação sexual, medicina sexual e saúde sexual e reprodutiva. Em perspetiva está ainda a criação de parcerias internacionais estratégicas, tendo em vista o estabelecimento de um centro de excelência internacional na área da sexualidade na Universidade do Porto e em Portugal. A Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação daquela universidade já acolhe desde 2012 um Centro de Investigação em Sexualidade Humana, o SexLab.

Pedro Nobre destaca o facto de ser muito importante este tipo de programas de especialistas que irão produzir conhecimento na matéria e que poderão ajudar a desmitificar e partilhar informação mais adequadas. Numa segunda fase, esse conhecimento deve ser canalizado para o bem-estar da sociedade.

Especialistas prestigiados

No seminário que sexta-feira tem lugar na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto vai participar um leque de especialistas que inclui o psiquiatra, advogado e sexólogo norte-americano Richard Green (1936), fundador da International Academy of Sex Research e reconhecido especialista nos domínios da identidade de género, homossexualidade e transexualismo (com especial enfoque no transtorno de identidade de género infantil). No início dos anos 1970, Green foi um dos principais defensores da despatologização da homossexualidade, que só em 1990 deixou de ser considerada doença mental pela Organização Mundial da Saúde.

A lista de oradores integra ainda os nomes como John Bancroft, psiquiatra, pioneiro na investigação em sexualidade humana e antigo diretor do Kinsey Institute (Reino Unido), a mais importante instituição mundial na área; Annamaria Giraldi, professora de Sexologia Clínica na Københavns Universitet (Dinamarca) e atual presidente da Sociedade Internacional de Medicina Sexual; Cynthia Graham, professora de Saúde Sexual e Reprodutiva na University of Southampton (Reino Unido) e editora chefe da prestigiada revista Journal of Sex Research; Erick Janssen, professor de Psicologia e investigador no Departamento de Neurociencias da KU Leuven University (Bélgica) e pioneiro na investigação psicofisiológica em sexualidade; Aleksandar Štulhofer, professor de Sociologia e diretor da unidade de sexologia do Departamento de Sociologia da Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade de Zagreb (Croácia), reconhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre pornografia e educação sexual; e Leonore Tiefer (EUA), investigadora e feminista que fundou o movimento global "The New View Campaign" que questiona a excessiva medicalização da sexualidade.

Prevista está também a apresentação de uma mensagem de David Barlow (EUA), professor emérito, psiquiatra da Universidade de Boston e um dos mais reconhecidos psicólogos clínicos do mundo.

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