Previsão africana
Segundo dados da ONU acabados de surgir, Angola estaria a um passo de sair do grupo de países pobres. Provavelmente não vai dar o passinho que lhe falta, pelo menos nos próximos anos
Para este género de exercícios, a prudência avisa que se deve separar claramente entre o que é previsão do que são desejos ou esperanças. Tentarei cingir-me à primeira, embora mesmo os melhores feiticeiros falhem ao ler os intestinos dos cabritos.
Vejamos o continente africano, para começar. Continuarão convulsões, crises, guerras e atentados. Milhões quererão abandonar as terras de origem, debandando para todos os pontos cardeais. Uns tantos arriscarão tudo para alcançar os ricos países do Norte e essas vagas, embora minoritárias, serão as únicas a merecer referência na imprensa internacional. Alguns problemas poderão ficar mais esbatidos, outros ganharão novas dimensões. Nos mais de 50 anos de independência para a generalidade desses países, as coisas não têm sido fáceis. No entanto, em termos estritamente numéricos e a acreditar nas estatísticas e nas análises de organismos internacionais como a ONU ou o FMI, o continente tem crescido no aspecto económico nos últimos anos, contribuindo para o "progresso" global da humanidade. Há casos de relativo sucesso, como Cabo Verde, Gana, Botswana, com bons governos e resultados satisfatórios, se tornando nos faróis de esperança. Uma coisa no entanto são os números de médias estatísticas, outra coisa é o sentir das populações em relação ao bem-estar. A incerteza é a norma.
Apesar de positivos de forma global, os caminhos do desenvolvimento podem fechar-se a qualquer momento, como aconteceu com as consequências da queda do preço do petróleo e outras matérias-primas produzidas no continente. Também há ameaça de continuação da seca em algumas regiões mais afectadas pelo aquecimento global, seca atribuída pela literatura de séculos a muitos factores, alguns poéticos, outros sobrenaturais. Os esforços de desenvolvimento também sofrerão abalos se aumentarem as guerras e as consequências de intervenções externas em forma de "primaveras", atentados terroristas ou calamidades afins.
O exemplo da Líbia, que, apesar da falta de democracia política, estava em 2010 entre os 50 países do mundo mais desenvolvidos em termos humanos, mostra como tudo pode ser fugaz e dependente de poucas vontades. Alguns destes fenómenos têm afectado mais a parte norte do continente, embora haja tendência para descerem, em particular o fundamentalismo islâmico. Atravessarão o equador no próximo ano? Quem sou eu para adivinhar? Mas os sintomas não são tranquilizantes. Num grande continente, haverá portanto avanços e retrocessos, apesar de aqueles serem relativos (ao ritmo actual seriam precisos três séculos para nos aproximarmos dos países mais ricos). Tudo moderado pelo crescimento demasiado rápido da população.
No que diz respeito a Angola, as razões de intranquilidade são nítidas.
Foi um dos países africanos mais afectados pela quebra recente dos preços das matérias-primas. Não soubemos, quando jorravam capitais generosos, diversificar as fontes de recursos. Tentamos agora, em situação menos favorável, procurar investimentos e iniciativas. Todo o mal traz o seu bem, como o contrário foi verdade anteriormente. Talvez agora se dê, enfim, mais valor à formação das pessoas e ao trabalho, o que seria relevante e decisivo, mas não para o curto prazo.
Todas as perspectivas têm sido corrigidas para menos, os orçamentos sofrido ajustamentos, os cintos apertados. Nem todos, apenas os cintos da maioria. Como sempre e em todas as latitudes, também entre nós há cintos supermaleáveis, não precisamos inovar. A inflação comerá todas as tentativas de melhoria de salários ou pensões ou pequenos lucros dos negócios de rua. Haverá portanto empobrecimento da população. Segundo dados da ONU acabados de surgir, Angola estaria a um passo de sair do grupo de países pobres (ou lá como chamam aos antigos subdesenvolvidos, termo que a hipocrisia do politicamente correcto baniu dos textos). Provavelmente não vai dar o passinho que lhe falta, pelo menos nos próximos anos. E só o dará se pensar a sério no mar, na terra e sobretudo na gente, não no petróleo ou no gás. Em todo o caso, os resultados da mudança de perspectiva não se farão sentir no próximo ano.
Com configurações económicas tão pouco brilhantes, podemos adivinhar um aumento da crise social e sua correspondência política, pois, como os clássicos da Economia Política me ensinaram na juventude, as crises ajudam os ricos a ser mais ricos, os pobres a ser mais pobres e a classe média a definhar. A diferenciação social crescente provoca desajustes, desesperos, revoltas, sobretudo se há percepção de má governação e favorecimento de uns poucos. Com razão ou sem ela, essa percepção é cada vez mais acentuada. Da mesma maneira, a sensação de injustiça, de falta de direitos elementares e consagrados na Constituição. As pessoas já aprenderam a ler, até a ler os sinais dos tempos. É suicida esquecê-lo.
Terá o poder político capacidade de iniciar um diálogo aberto e inclusivo de toda a sociedade no próximo ano?
Isto já é mais do domínio da esperança.