Presos de Guantánamo valiam visita de Obama
A WikiLeaks cumpriu a promessa e ontem vários jornais internacionais começaram a divulgar o conteúdo embaraçoso do correio diplomátido americano. Ao todo, são 251 287 documentos, confidenciais ou secretos, trocados entre o Departamento de Estado e diplomatas americanos colocados em todo o mundo ao longo dos últimos seis anos.
Num dos ditos telegramas era revelado, por exemplo, que a tentativa para persuadir vários países a aceitar presos da base americana de Guantánamo, em Cuba, se tornou um autêntico bazar. E as ofertas não enganavam: prisioneiro aceite significava ajuda financeira dos Estados Unidos ou uma visita do Presidente Barack Obama. Recorde-se que Portugal recebeu dois cidadãos sírios que passaram por Guantánamo.
Explosivo é também o conteúdo de vários telegramas dos diplomatas americanos em Riad dirigidos a Washington e ontem divulgados através da WikiLeaks. "O Rei Abdullah da Arábia Saudita terá repetidamente instado os EUA para que o Irão fosse atacado para destruir o seu programa nuclear", refere um dos documentos, que em inglês se designam cables.
"Ele [Rei] disse-vos [americanos] para cortar a cabeça da serpente", afirma o embaixador saudita em Washington, segundo um relatório do encontro do Rei saudita com o general americano David Petraeus em Abril de 2008. Mas a revelação não fica por aqui: Abdullah não era afinal o único a querer que o Irão deixe de ter programa nuclear. Segundo os documentos todos os outros aliados árabes defendiam o mesmo. E Israel também.
Noutro texto, datado de Fevereiro, o secretário da Defesa americano, Robert Gates, alertou que se os esforços diplomáticos (com Teerão) falharem, "corremos o risco de assistir a uma proliferação nuclear no Médio Oriente, a uma guerra provocada por um ataque de Israel, ou a ambos". Em Maio de 2009, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, afirmou a responsáveis americanos que tanto ele como o Presidente egípcio Hosni Mubarak temem que o nuclear iraniano se transforme na "pior crise desde os mísseis de Cuba".
Os documentos da WikiLeaks, cujo site foi ontem alvo de um ataque de piratas informáticos, segundo o seu líder Julian Assange, acabaram por ser revelados pelo New York Times, Guardian, Le Monde, El País e Spiegel. Horas antes da publicação, Assange afirmou que os documentos "abarcam todos os assuntos importantes e em todos os países, incluíndo os países árabes". O fundador da WikiLeaks fez esta declaração durante uma vídeo-conferência com os jornalistas instalados em Amã. Para além de recusar revelar o local onde se encontra, o australiano, de 39 anos, disse que se viu obrigado a recorrer à video-conferência porque "a Jordânia não é o país mais seguro do mundo quando se tem a CIA à perna".
Assange revela pela terceira vez este ano documentos secretos americanos: a primeira vez foi em Julho e referiu-se a 70 mil textos sobre a guerra no Afeganistão; a segunda vez foi em Outubro e trouxe a público 400 mil documentos sobre a guerra no Iraque.
Para além da explosiva revelação sobre o ataque ao Irão, outros documentos revelados também não deixam lá muito bem Washington, ou seja, a forma como responsáveis de países aliados são analisados pelos diplomatas dos Estados Unidos.
É que não se trata de uma conversa privada entre amigos, mas de análises feitas em correspondência oficial. Por exemplo, relatam-se as "festas loucas" do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi que, garantem, não só é amigo íntimo de Vladimir Putin como acaba por ser a sua caixa de ressonância sobre a Europa.
"Potencialmente, estamos face a uma bomba diplomática", disse Tim Marshall, editor da Sky News, perante os textos revelados.