Presidente reforçado
Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito Presidente da República com margem confortável para consolidar o seu espaço de manobra e reforçar a sua independência. Os votos vieram não apenas da área da sua família política de origem, PSD e CDS, mas também do PS mais moderado. Esta circunstância, se não lhe permitiu alcançar valores ainda mais expressivos, fruto também da pandemia, dá-lhe agora conforto para agir respaldado num consenso alargado do espaço democrático.
Assistimos não ao centrão dos interesses, como alguns gostam de apelidar (que também existe, mas não é este), mas à convergência de pensamentos plurais no espaço da democracia pluripartidária em torno do melhor candidato para o cargo. Mas a maioria presidencial fica por aqui: dissolve-se no momento da eleição e fica a valer apenas e tão-só o mandato unipessoal de Presidente da República. Se há quatro anos Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito pelo centro e a direita, e depois atuou com total independência dos partidos que o apoiaram e muitas vezes contra estes partidos, não será agora que o apoio da esquerda moderada lhe retirará independência e capacidade de decisão. Esse histórico, somado à votação expressiva e à inexistência do peso da reeleição, torna-o mais livre do que nunca para exercer em consciência o seu mandato e responder aos desafios do país.
São três os desafios centrais do imediato e dos próximos anos no contexto interno: superação da pandemia, recuperação económica e social do país, gestão política num quadro de governo minoritário.
O primeiro continuará a ser a preocupação número um de Portugal, infelizmente por tempo indeterminado. Enquanto Presidente ultrapresente e interventivo terá de fazer valer toda a sua influência para exigir mais competência da parte do governo. O segundo desafio, a recuperação económica e social e a correção das desigualdades que a pandemia tem aumentado, implicará um esforço conjugado de todos os setores da sociedade.
O Presidente tem a posição certa para mobilizar esse esforço e exigir do governo eficácia. Espera-se uma voz firme na sinalização dos desvios a esse rumo. Por fim, na gestão da situação política, o seu papel será determinante.
A elevada abstenção e o resultado dos restantes candidatos devem ter o efeito de uma chamada de atenção e Marcelo Rebelo de Sousa percebe-o melhor do que ninguém. Perdeu votos à direita para a abstenção, para a direita radical e também para a direita liberal, embora em dimensão menor. Dececionadas com o seu primeiro mandato, excessivamente amigo do governo de esquerda, muitas pessoas não quiseram perder a oportunidade de o sinalizar, e o Presidente, liberto do peso da reeleição, pode agora reconciliar-se com este eleitorado. O que os resultados de ontem podem significar para o ajustamento da direita veremos nos próximos meses, desde logo nas eleições autárquicas. No campo oposto, o fraco desempenho das candidaturas partidárias da esquerda mais radical, o resultado modesto de Ana Gomes e a ausência de um resultado diretamente associável ao PS podem propiciar um ajustamento à esquerda. O desempenho do governo na gestão da pandemia e na recuperação do país será determinante.
Apesar de esta eleição ser muito específica e não permitir grandes extrapolações, o certo é que o panorama político à esquerda e à direita sugere que o governo minoritário do PS não terá descanso.
O que acontecer nos próximos anos também está na mão do Presidente, que comprovadamente não tem vocação para ser simples espectador.
Professora da Nova School of Law. Coordenadora do mestrado em Direito e Economia do Mar