Presidente do Senado é a última vítima de um país sob escuta
Renan Calheiros foi o último governante de peso no Brasil a ser apanhado numa escuta telefónica comprometedora no âmbito da crise política - e policial - que decorre da Lava-Jato. O presidente do Senado, que pertence ao PMDB, do presidente em exercício, Michel Temer, sugere em conversa com Sérgio Machado, ex-diretor da Transpetro, uma subsidiária da Petrobras, interferência na operação que investiga o escândalo de corrupção da petrolífera. Renan é alvo de nove inquéritos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). O seu interlocutor negoceia uma delação premiada com Sérgio Moro, o juiz de primeira instância que se ocupa do caso.
Com a inclusão de Renan, sobe para, pelo menos, cinco os políticos de topo vítimas de gravações: antes dele, Romero Jucá (PMDB), ministro do Planeamento e braço direito de Temer, Delcídio do Amaral (PT), senador, Lula da Silva (PT), ex-presidente, e Dilma Rousseff (PT), chefe do Estado, sofreram o embaraço das escutas na pele. Dilma acabou afastada, Lula não chegou a assumir a chefia da Casa Civil, Delcídio perdeu o cargo de senador, saiu do PT e passou pela cadeia, e Jucá entregou o ministério 12 dias depois da posse. Até ver, Renan sobrevive.
Mas, na onda de escutas, há vítimas colaterais. Aloizio Mercadante (PT), ministro de Dilma, também surgiu numa gravação a negociar o silêncio de Delcídio. Interlocutores de Lula, como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), foram obrigados a pedir desculpas por comentários constrangedores. E, mesmo sem participar dos áudios, Aécio Neves, presidente do PSDB, é citado como beneficiário de "esquemas" de corrupção. Em paralelo, no gabinete do juiz do STF Luís Roberto Barroso, que pertenceu ao relator do processo do mensalão Joaquim Barbosa, foi encontrado um microfone.
Quando os historiadores se debruçarem sobre este período, vão deparar-se com as palavras "flagrado" e "grampo" (escuta) em dezenas de manchetes de jornal.
Delação premiada
Renan, que indicou Machado para a Transpetro, refere ao telefone que "a delação premiada", expediente usado por Moro para obter denúncias a troco da redução de pena, deve acabar. E afirma que poderia "negociar" com membros do STF "a transição de Dilma", segundo a transcrição do jornal Folha de S. Paulo. Mas tarde cita Aécio: "O Aécio está com medo, procurou-me e pediu: "Renan, queria que você visse esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa"", a propósito das delações explosivas do ex-senador.
Na segunda-feira, Romero Jucá e Machado, que terá gravado ainda o antigo presidente José Sarney, também haviam falado sobre "os esquemas de Aécio". Na ocasião, Jucá dizia, em março, que só aprovando o impeachment de Dilma se poderia "estancar a sangria" da Lava-Jato.
Nas dezenas de gravações a Lula, a mais controversa foi a que acusa as principais autoridades de estarem acovardadas e com medo da "República de Curitiba", aludindo à cidade onde a equipa de Moro, que soltou esses áudios para a imprensa, coordena a Lava-Jato. Após o convite de Dilma para assumir um ministério e, desse modo, passar a ser investigado apenas pelo STF e não por Moro, a própria presidente é escutada no que parece ser um plano para blindar o antecessor do juiz de primeira instância.
Meses antes, Delcídio do Amaral fora gravado por Bernardo Cerveró a planear a fuga do pai deste, testemunha-chave do petrolão.
São Paulo
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