Presidente aposta em reeleição à primeira volta em Cabo Verde

PAICV, na oposição, não apresentou candidato próprio. MpD, que ganhou legislativas e autárquicas, apoia Jorge Carlos Fonseca.
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Confortado por uma elevada taxa de popularidade, o presidente cessante de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, espera ser eleito à primeira volta nas eleições que se realizam hoje neste arquipélago africano.

Aquelas que são as sextas presidenciais sob regime democrático decorrem num quadro marcado pela recente vitória do Movimento para a Democracia (MpD) nas legislativas de março deste ano, pondo termo a 15 anos de governo do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), e pela recente divulgação do relatório da missão do FMI, dando conta da deterioração das contas públicas. Uma situação considerada preocupante pela conjugação de uma dívida pública "muito alta" com um baixo índice de crescimento económico no país.

Admitindo que a economia cabo-verdiana apresenta sinais de alguma recuperação, o chefe da missão do FMI, Ulrich Jacoby, sublinhou que a conjugação daqueles dois fatores "deteriorou consideravelmente os rácios" e aumentou o risco financeiro para Cabo Verde. Uma situação que o PAICV procurou trazer de forma indireta para a campanha presidencial, considerando que as estimativas de crescimento de 7% sustentadas pelo MpD durante a campanha não passaram "de expediente eleitoral". Segundo o responsável da missão do FMI, o crescimento da economia deve ficar-se pelos 3,5% a 4%.

O sucesso nas legislativas, a que se somou a vitória nas autárquicas no início deste mês, ao conquistar 18 das 22 câmaras do país, veio abrir um debate sobre a conveniência da total concentração do poder político no mesmo campo político. Uma ideia martelada pelo principal adversário de Fonseca, Albertino Graça, que no debate televisivo da passada terça-feira com o presidente pediu aos eleitores que "pensem seriamente nos riscos que a hegemonia do poder pode trazer". Uma ideia desvalorizada pelo chefe de Estado, que recordou ter existido no passado a convergência de maiorias do PAICV nos diferentes níveis do poder, sem que isso tivesse causado apreensão.

O PAICV - que vive uma séria crise interna na sequência de duas claras derrotas eleitorais -, assim como o terceiro partido no país, a União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID), deram liberdade de voto aos seus militantes e eleitores. O facto de o PAICV não ter apresentado candidato é visto como um expediente para evitar terceira derrota consecutiva, tanto mais que o nome forte para uma candidatura, o do ex-chefe do governo José Maria Neves, recusou avançar. Assim o único candidato com apoio declarado é o presidente, que tem o do MpD, e recolhe taxas de aprovação "de 90% dos cabo-verdianos", como o próprio sublinhou na apresentação da sua candidatura.

O terceiro candidato, Joaquim Jaime Monteiro, de 76 anos, define-se como o "único candidato do povo de Cabo Verde" e apresenta como uma das suas prioridades o "fim da polarização política", uma realidade que tem dominado o arquipélago desde a introdução do sistema democrático em 1991. E, interrogado sobre o resultado que espera hoje, diz acreditar na vitória, mas acrescenta que, a ser necessário, pode ainda candidatar-se em 2021, pois "tem ainda muita estrada pela frente". E em janeiro deste ano dizia ao jornal A Nação que, quando o pai faleceu, "tinha 103 anos. Aos 96, fazia todos os dias qualquer coisas como 20 e tal flexões".

Estão inscritos 361 206 eleitores, dos quais 47 133 no estrangeiro. Nas anteriores eleições, Fonseca foi eleito à segunda volta com 54,26% contra 45,74% para o candidato do PAICV, Manuel Inocêncio Sousa.

Os candidatos

Jorge Carlos Fonseca

Presidente cessante. Licenciado e mestre pela Faculdade de Direito de Lisboa

65 anos

Num momento em que se multiplicam as chamadas de atenção para a concentração na mesma força partidária de todos os centros de decisão política, o presidente cessante garantiu que será "uma voz autónoma e crítica sempre que necessário", disse numa entrevista à Lusa na passada semana. "O MpD sabe disso. O presidente do MpD e chefe do governo sabe disso", acrescentou numa referência ao partido que o apoia. Numa outra entrevista, à Contacto, Fonseca notou ter havido "noutras épocas em Cabo Verde um governo e um presidente da mesma área política e ninguém falou de período de hegemonia. Sou uma pessoa independente". O presidente cessante, que regista um alto índice de popularidade depois do primeiro mandato de cinco anos, em coabitação com um governo do PAICV, dirigido por José Maria Neves (que foi sondado para ser candidato presidencial por este partido), espera a vitória à primeira volta e um segundo mandato "mais confortável" e com "menos pressões", não se colocando a hipótese de uma terceira candidatura. Ao contrário dos outros candidatos, mostra-se mais reservado na questão da regionalização e defensor do sistema semipresidencial desde a entrada em vigor da Constituição de 1992. Nasceu no Mindelo em 1950, foi professor de Direito em várias instituições e autor de larga obra nesta área.

Albertino Graça

Reitor da Universidade de Mindelo. Doutorado em Ciências Económicas

56 anos

Define-se como o "candidato da sociedade civil", partidário de uma "ampla descentralização do poder político" e da regionalização do arquipélago. Se for eleito, vai propor "uma experiência-piloto numa ilha/região com as mínimas condições para o efeito", afirmou recentemente ao jornal A Semana, e partir dos "ensinamentos" dessa experiência para a sua aplicação generalizada. Em entrevista à Lusa, justificou a candidatura como um "imperativo moral" para desafiar a aura de "intocabilidade" do atual presidente e a hegemonia do MpD. "Passamos a ter um cenário em que temos um governo de um partido, uma maioria no Parlamento também do mesmo partido, uma supremacia esmagadora de câmaras e entendemos que, se houver um presidente da república também desse partido, teremos um problema enorme em Cabo Verde", disse à Lusa. Numa outra entrevista, esta à Rádio Morabeza, salientou que uma situação desta natureza originaria um "défice democrático" no país. Critica ainda o mandato do presidente cessante, que define como "algo atabalhoado".

Engenheiro mecânico de formação, a campanha de Albertino Graça, de 56 anos, tem como lema "Mais Equilíbrio" e sustenta como prioridade o combate à falta de segurança e à violência. Conhecido como Titoca, nasceu em São Vicente e é considerado próximo do PAICV.

Joaquim J. Monteiro

Reformado e antigo professor. Define-se como "combatente da liberdade da pátria"

76 anos

Foi candidato nas presidenciais de 2011, afirmando-se seguro de que iria ganhar - mas não teve mais de 1,84% dos votos expressos. Mas o facto de dizer que só falaria sobre os problemas do arquipélago se fosse eleito ajuda a compreender a escassa votação que obteve. Agora, aos 76 anos, volta a ser candidato com propostas detalhadas, entre as quais se destaca a adoção de um sistema presidencialista. "O modelo americano e o modelo da Suíça seriam os melhores para Cabo Verde", disse recentemente à publicação Contacto. Quer também a regionalização do arquipélago, afirmando que Portugal deixou "um país dividido em duas regiões: Barlavento e Sotavento. Agora precisamos de uma descentralização". Defende a criação de um Ministério da Emigração, atendendo à dimensão económica e social do fenómeno e quer acabar com a "administração partidarizada, subordinada aos partidos políticos" e "desburocratizar Cabo Verde".

Solteiro, sem filhos e popularmente conhecido por Djack, nasceu a 21 de agosto de 1940 em Santo Antão e, depois de cumprir serviço militar em Macau, aderiu ao PAIGC em janeiro de 1965 como "militante". Professor, já tentara as presidenciais de 1996, mas não conseguiu reunir as assinaturas necessárias. Diz que continua a estudar "todos os dias um bocadinho".

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