Presidente afegão visita Biden enquanto talibãs somam vitórias

Líder norte-americano vai assegurar Ghani de que os EUA saem mas não viram as costas ao país. Talibãs não dão mostras de compromisso à medida que capturam território.
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As tropas norte-americanas irão sair na totalidade do Afeganistão até 11 de setembro, embora o processo logístico esteja adiantado, pelo que poderá ser concluído antes. Enquanto isso, as conversações de paz entre Cabul e os talibãs, que insistem no estabelecimento de um "sistema islâmico" para pôr fim ao conflito no país, estão num impasse, à medida que as forças islamistas tomam dezenas de distritos às forças governamentais. O controlo dos talibãs é de pelo menos 50% do território do país, excluindo os centros urbanos, segundo as estimativas da ONU.

É neste quadro que o presidente afegão e o presidente do Conselho Superior para a Reconciliação Nacional estão de visita a Washington, onde hoje são recebidos na Casa Branca pelo presidente norte-americano.

Na sua primeira reunião presencial, Joe Biden irá assegurar a Ahsraf Ghani e a Abdullah Abdullah o apoio dos EUA ao povo afegão, incluindo assistência diplomática, económica e humanitária, disse a Casa Branca numa declaração. Biden irá também reiterar o seu compromisso de assegurar que o país não se torne num abrigo seguro para os grupos terroristas.

Apesar de Ghani afirmar que a retirada dos EUA é "a maior oportunidade do Afeganistão na história contemporânea", não é de excluir que peça a Biden para não retirar antes de tempo, dado o rápido avanço dos islamistas. Para os talibãs a visita é "inútil". "Eles [Ghani e Abdullah] vão falar com os funcionários dos EUA para a preservação do seu poder e interesse pessoal", acusou o porta-voz dos talibãs.

O Afeganistão vive um momento de incerteza ainda maior do que nos últimos 20 anos, com a aproximação da retirada total das tropas da Aliança Atlântica e o avanço inexorável dos talibãs, enquanto no palácio presidencial há um presidente, Ashraf Ghani, cada vez mais isolado, e um impotente Abdullah Abdullah, o seu adversário das eleições presidenciais que não aceitou a derrota e que ao fim de meses de impasse foi nomeado para um novo cargo, a presidência do Conselho Superior para a Reconciliação Nacional.

A acrescentar a isto, um acordo minimalista assinado em maio de 2020 pela administração Trump e os talibãs, nos quais a primeira concordou em sair e os segundos, uma organização extremista, em não dar guarida a organizações terroristas.

Mais de um ano depois do acordo, os talibãs não cedem um centímetro nas negociações com o governo, que decorrem em Doha, Qatar. Exigem a demissão do presidente e querem impor um regime que não deve diferir muito daquele fundamentalista que horrorizou o mundo antes de ter sido deposto pela invasão anglo-americana em 2001. Pelo seu lado, Ashraf Ghani não admite que deixe de haver eleições ou que os direitos das mulheres e das minorias voltem a retroceder.

"A chave para um diálogo político é que os talibãs aceitem que o futuro sistema político do Afeganistão se baseie em eleições. Este é o resultado fundamental. Outras coisas são discutíveis, negociáveis", disse Ghani em entrevista à PBS. "Mas se essa questão fundamental não for reconhecida, então a questão dos direitos e a questão dos ganhos que ocorreram nos últimos 20 anos, particularmente em relação às mulheres, aos jovens, às minorias, a todas as camadas sociais, serão postas em causa", concluiu.

Enquanto os talibãs dizem já controlar 80 distritos do país, incluindo a fronteira com o Tajiquistão, Ghani tem estado a tentar pressionar os adversários a aceitarem participar num governo interino de unidade nacional até à realização de eleições.

"Um sistema islâmico genuíno é o melhor meio para a solução de todas as questões dos afegãos", disse um dos fundadores e vice-líder talibã, mulá Abdul Ghani Baradar. Para o analista político de Cabul Sayed Naser Mosawi, não há como confiar nos talibãs. "Há relatos plausíveis para se acreditar que podem até ter ficado mais radicalizados ao longo dos anos, combatendo as forças estrangeiras não muçulmanas", disse. "Os esforços dos talibãs para se apresentarem como uma força eficaz capaz de governar o Afeganistão e de dar direitos às mulheres e às minorias são mera ilusão", comentou à AFP.

Noutro desenvolvimento relacionado com a retirada das forças estrangeiras, o presidente turco Recep Erdogan propôs a Biden que o seu contingente permaneça no aeroporto de Cabul. Esta iniciativa é vista por um lado como uma forma de tentar melhorar as relações com Washington e por outro como uma projeção diplomática naquela região do globo. A ideia ainda não passou disso mesmo, apesar de ter sido bem recebida quer pelos norte-americanos quer pelos afegãos. Além dos turcos, também húngaros e paquistaneses podem fazer parte dessa força. Os talibãs, para não variar, estão contra, e avisaram Erdogan para não fazer "um grande erro".

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