Presépio gigante regressa à encosta da vila de Alenquer

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A montagem do maior presépio decorativo do País, na encosta da colina que suporta o centro histórico de Alenquer, é uma tradição que leva 36 anos, mas, a avaliar pelo desapontamento nas palavras do pintor João Mário Aires D'Oliveira, então o presidente da câmara e um dos principais impulsionadores da iniciativa, até parece que se trata de um uso mais remoto. «Custa dizê-lo, mas o espírito original do presépio de Alenquer, na sequência das trágicas cheias de 1967, que fizeram 54 mortos, há muito que se perdeu», afirma ao DN.

João Mário, como é conhecido internacionalmente pela sua obra, recorda com emoção os acontecimentos que se sucederam à terrível madrugada de 26 de Novembro de 1967, quando, «unidos pela tragédia, os alenquerenses, num clima muito especial e até hoje irrepetível», exultaram com o presépio erguido na encosta da Vila Alta, que depressa granjeou para Alenquer o epíteto de «Vila Presépio». «Eu tenho 72 anos e nunca vi em Alenquer um período de oiro, tão bonito, como o que se viveu depois das grandes cheias que arrasaram a parte baixa da vila, porque se gerou um ambiente de solidariedade, de amor e de amizade entre as pessoas», relembra o pintor.

Era um clima tão especial que «havia dois vizinhos que viviam por cima um do outro e estavam de relações cortadas, nem se falavam, e o indivíduo que vivia no primeiro andar, quando viu o risco que corria o seu vizinho do rés-do-chão, fez um buraco no soalho para o puxar para cima», enfatiza João Mário.

Foi neste quadro que, no ano seguinte, «o então vereador D. José Siqueira se lembrou de perpetuar, através de um monumento ou lápide, o espírito de unidade e de amor vividos na vila, tendo surgido depois, em sessão de câmara, a ideia de se organizar um presépio», recorda João Mário que, enquanto presidente da câmara, desde logo se entusiasmou com a proposta.

Por isso, decidiu dotar Alenquer com um presépio gigante, no âmbito das benfeitorias levadas a cabo na vila, tendo encarregue da sua concepção mestre Álvaro Duarte de Almeida, seu antigo professor.

Concebido ao gosto dos presépios tradicionais portugueses, o presépio de Alenquer engloba mais de duas dezenas de peças representativas das figuras bíblicas, desde o Menino, Maria, José e Reis Magos, até aos pastorinhos, devidamente orientados por dois anjos da guarda, constituindo hoje um ex-libris da vila, em tempo de Natal.

Esta é a segunda versão do presépio de figuras monumentais, as maiores com seis metros e a mais pequena atingindo quase metro e meio de altura, já que a acção do tempo, ao longo de 30 anos, foi implacável para com aquele trabalho artístico, originalmente executado em madeira, que, segundo o seu autor, se baseou «na figuração da pintura portuguesa dos séculos XVI e XVII». As peças que hoje podem ser observadas já não são as originais há três anos a autarquia mandou substitui-las por figuras metálicas, com o argumento de que estas são mais resistentes ao vento e à chuva, tendo o trabalho sido realizado nos ateliers de Torres Vedras.

«Penso que se perdeu um bocadinho o cunho artístico da obra, com a pintura à pistola», acentua João Mário que não foi consultado pelos responsáveis camarários sobre a renovação do presépio. 36 anos depois de ter sido montado na principal encosta da vila, «o espírito que esteve na base da iniciativa perdeu-se, entre os alenquerenses», lamenta o pintor. Resta agora a tradição e o epíteto feliz de «Vila Presépio», atribuído a Alenquer.

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