Prendas do ministro da Defesa Nacional
Com demasiada frequência os militares são surpreendidos por decisões do ministro da Defesa Nacional (MDN), como foi o caso do comunicado do Conselho de Ministros a propósito da propalada reforma da estrutura superior das Forças Armadas (FA), cujo teor merece o repúdio dos militares e pode ser considerado injusto, insultuoso e humilhante. Dizer que esta reforma visa "... garantir as condições para que as Forças Armadas sejam capazes de responder aos desafios atuais e futuros ..." é uma tentativa de a justificar e de colar uma imagem de incompetência e incapacidade à sua estrutura superior e é ofensivo para todos os militares que nas últimas décadas têm levantado bem alto o nome de Portugal pelos quatro cantos do mundo.
Na reforma proposta pelo governo, mais do que os seus objetivos, são criticáveis o método e a fundamentação. O edifício da Defesa Nacional, ao contrário de muitos outros construídos começando na base até chegar ao topo, tem de ser moldado a partir do nível mais superior e mais abrangente. Desde logo, com a consciencialização de que a defesa nacional é uma obrigação e responsabilidade de todos os portugueses, pelo que esta preocupação deveria estar presente desde os bancos da escola.
A fase seguinte é a da definição dos grandes conceitos, após o que se passará à sua materialização no escalão ministerial, já que a defesa nacional é transversal a toda a sociedade. É certo que, neste âmbito, sobressai o Ministério da Defesa Nacional. Só depois, no final da linha, surgem as FA.
Não tendo havido, nesta matéria, qualquer mudança nos patamares superiores às FA, nem sequer na orgânica do Ministério da Defesa Nacional, pensar-se-ia não haver qualquer lógica para proceder a modificações no nível inferior da estrutura, as FA. A menos que elas não tenham cumprido a sua missão, tenham envergonhado o Estado português, sofrido contínuos desaires na sua atividade operacional e não tenham sabido responder quando os portugueses mais precisaram delas. Porém, a realidade desmente, sistematicamente, esta hipótese. De facto, a comunidade internacional tem vindo a agradecer, reiteradamente, a excelência, a coragem e a eficiência dos militares portugueses. Também, internamente, os elogios são constantes, até das mais altas entidades do Estado português. Então, que motivos conduzem às atuais propostas de alteração? Não sendo visíveis, nem transparentes, só podem ter por base razões pessoais e privadas.
O argumento de que países aliados adotaram as medidas agora propostas, também não colhe. Primeiro, porque nem todos os países da Europa e da NATO o fizeram. Depois, porque um estudo pormenorizado revela pontos comuns entre essas estruturas, mas, no global, todas elas são diferentes. Naturalmente, porque a organização das Forças Armadas reflete a sua história, as suas tradições, os seus princípios, os seus objetivos e os seus recursos. É o que também deverá ser feito em Portugal.
Ainda a propósito desta polémica, o MDN afirmou, há dias, que: "Não são os militares e muito menos os militares do passado que devem decidir sobre como funcionam as Forças Armadas do presente e do futuro." Duas notas:
· É certo que a autoridade para legislar sobre a estrutura superior das FA é do governo e da Assembleia da República, mas não há narrativa de instituições com sucesso reformativo, quando essas remodelações são feitas contra os seus membros e não com eles.
· Temos muito orgulho em sermos militares do passado. Vivemos, lutámos, combatemos, fomos comandados, comandámos e, muitos de nós, servimos em estados-maiores internacionais. Sempre em nome de Portugal e dos portugueses. Fomos acumulando informação, conhecimento, saber e experiência, aquela que, muito provavelmente, faltará ao senhor ministro e aos seus conselheiros. Mas somos também militares do presente e, em nome da democracia que ajudámos a construir e das FA a quem demos mais de 40 anos de vida, temos o direito e o dever de expressar a nossa opinião e de tentar dar o nosso contributo para que, no futuro, as FA sejam, ainda, mais efetivas e que tenham os recursos indispensáveis ao seu bom funcionamento.
Senhor ministro, não desperdice energia e furor legislativo com problemas secundários. Concentre-se no que é realmente prioritário, nas lacunas que são por demais conhecidas. Se tentar caminhar nesse sentido, pode contar com o apoio indefetível de todos nós e ficará na história como grande reformador na área militar. Está nas suas mãos. Assim o queira. E, acima de tudo, será recordado como alguém que fez trabalho útil.
Tenente-general reformado