Prémio Aga Khan: o mundo muçulmano vai do Irão à Dinamarca

Estes seis projetos venceram o galardão. Entre eles há um parque em Copenhaga com uma fonte de Marrocos
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Entre uma mesquita em Daca, no Bangladesh, uma biblioteca e centro de artes em Pequim, China, um parque público em Copenhaga, Dinamarca, uma ponte pedonal na capital iraniana de Teerão, um instituto universitário em Beirute, Líbano, ou um centro comunitário em Gaibandha, no norte do Bangladesh, Farrokh Derakhshani só ainda não conseguiu visitar este último. São os seis projetos vencedores do Prémio Aga Khan de Arquitetura, o galardão atribuído desde 1977, de três em três anos, ao melhor que a arquitetura faz pelas comunidades muçulmanas do mundo inteiro. Derakhshani é o diretor.

Integrado no Fundo para a Cultura Aga Khan, do príncipe que é líder espiritual da comunidade ismaili - minoria muçulmana xiita - em todo o mundo, o prémio foi entregue na sua penúltima edição, em 2013, no Castelo de São Jorge, em Lisboa. Cidade, aliás, que o atual príncipe Aga Khan, o 49.º imã da família, visitou em maio último, altura em que se ficou a conhecer o lugar da futura sede da Fundação Aga Khan em Portugal: o Palácio Henrique Mendonça, na capital.

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Olhar para os galardoados com o prémio que, em 1982, mudou para sempre o olhar de Farrokh Derakhshani sobre a arquitetura é fazer uma espécie de volta ao mundo em seis tempos. Os seis responsáveis por tal acontecimento, que dividem entre si um milhão de dólares (cerca de 919 mil euros) do prémio, foram selecionados entre 348 projetos, de 69 países, e venceram numa lista final de 19.

Derakhshani - que estudou arquitetura no Irão e, mais tarde, em Paris - vive na Suíça, país onde nasceu o atual Aga Khan, e talvez por isso se tenha desculpado de forma tão insistente pelo ligeiro atraso que o trânsito de Lisboa causou na sua chegada ao Palácio Pombal, onde, integrada na Trienal de Arquitetura, está patente até 11 de dezembro uma exposição com os projetos finalistas do prémio. É ali que afirma: "Agora o discurso mudou, mas, quando eu estava a estudar, a arquitetura era sobre estética e sobre a forma como o edifício era construído. O lado social da arquitetura, a razão pela qual era construída, era secundário. Mas aqui vemos como é usada, concebida e entendida pelas pessoas. Em vez de olharmos para as fotografias do projeto, vamos lá, falamos com as pessoas que o usam, e vemos se depois de um, dois ou três anos elas ainda estão contentes."

Bem diferente do Pritzker

Falamos de um prémio que nesta edição distinguiu um projeto de Zaha Hadid, a arquiteta que morreu em março último: o Instituto Issam Fares, que pertence à Universidade Americana de Beirute. No passado distinguiu nomes como Jean Nouvel, Frank Gehry ou Norman Foster: todos são hoje arquitetos-estrela, todos, como Hadid, galardoados com o prémio Pritzker, considerado o Nobel da Arquitetura. Muito cordial, Derakhshani pede que não repitamos o que dizemos quando o questionamos se, no início da história do prémio, alguma vez o imaginou assim, um dos mais importantes da área, logo abaixo do Pritzker. "Este prémio foi criado antes do Pritzker, e não o damos a celebridades, damos a projetos. Muitos arquitetos tornaram-se muito famosos depois de receber este prémio. Não acreditamos que só um mestre da arquitetura pode criar arquitetura. A mensagem por detrás disso, a do edifício, é o resultado que devemos reconhecer."

Projetar ao lado dos moradores

E se há expressão do que Derakhshani acabava de dizer, ela chama-se Superkilen. O parque em Nørrebro, bairro de Copenhaga maioritariamente muçulmano, tem agora um banco de baloiço que veio de Bagdade, uma fonte com a forma de uma estrela de oito pontas que veio de Marrocos, e mesas de xadrez de Sofia, Bulgária. E não foi o grupo de arquitetos dirigido por Bjarke Ingels, vencedores do prémio, quem escolheu aqueles elementos, como os restantes 117 como eles.

"Como arquitetos nós quase assumimos o papel de curadores, para comissariarmos as propostas que vinham do público", explicou ao DN o arquiteto dinamarquês. "Demos um passo mais à frente: dos encontros públicos, redes sociais, campanhas publicitárias para encorajar as pessoas a recomendar elementos do seu país de origem, a caixa de correio gigante no meio da praça onde as pessoas podiam submeter propostas, até às interações diretas com a comunidade", continua.

O júri do prémio Aga Khan viu esse "passo em frente". Com o dinheiro do prémio, adianta Ingels, "talvez seja interessante documentar agora algumas das histórias do que acontece em Superkilen." Num trabalho desenvolvido com o grupo de artistas Superflex, o Bjarke Ingels Group contactou ainda diretamente, durante o processo, com cinco pares "pouco representados nas reuniões locais". Entre eles, "um rapaz jamaicano e o seu amigo, uma rapariga palestiniana e a sua amiga, e um velho casal dinamarquês." O resultado é um parque onde se ouvem 120 vozes e que, visto do ar, se divide em três cores: a zona vermelha, para o mercado e a cultura, a zona preta, que é uma espécie de sala de estar urbana, e a verde, dedicada ao desporto e diversão.

Ainda com Derakhshani, falamos de Suad Amiry - a arquiteta e escritora palestiniana que nesta edição integra o júri do prémio - a propósito da arquitetura e do mundo muçulmano atual - pense-se no seu livro Sharon e a Minha Sogra, que conta 42 dias de cerco israelita - quando Derakhshani lembra que ela mesma, com a fundação que criou, a Riwaq, venceu o prémio em 2013 pela reabilitação do centro histórico de Birzeit, na Palestina. Também Marina Tabassum, uma das vencedoras, pela mesquita que projetou no Bangladesh, poderia entrar na conversa.

Por email, a arquiteta conta ao DN que Bait Ur Rouf, o nome árabe da mesquita, significa "Casa dos Compassivos". Conta que aquele terreno era da sua avó, que o doou para algo de que a comunidade precisava, naquele sítio de Daca que cresceu depressa e sem planeamento. Acabaria por morrer antes do projeto ficar concluído.

Ajudada por outros, Marina conseguiu reunir os 150 mil dólares que precisava para levar a cabo a obra. Usando materiais e técnicas tradicionais do seu país, Tabassum criou um lugar de oração que a luz do sol vai pintando (e salpicando) de forma diferente ao longo do dia. Não queria símbolos. Não há cúpulas nem minaretes naquela mesquita. "Acredito que a quintessência da tradição não é adorar cinzas, mas preservar o fogo", explica. Ela mesma muçulmana, diz que o país está a recuperar do atentado de julho: "Na altura em que vivemos temos de nos preparar para todas as situações. Não é medo o que se sente no ar, mas ansiedade." Com o dinheiro do prémio que lhe coube, e que é dividido entre "arquiteto, cliente, engenheiros, etc.", planeia "construir um pequeno edifício, uma oficina para pesquisa de material local, tecnologia, etc."

Em breve, todos os vencedores devem juntar-se na cerimónia do prémio, no forte de Al Jahili em Al Ain, Abu Dhabi.

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