Preço recorde nos alimentos agrava défice comercial

Alimentos voltaram a subir em Fevereiro, para máximos de há 21 anos. Tendência pode durar até 2015. Portugal é vulnerável e pode perder mil milhões de euros.
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O défice comercial português deverá agravar-se com a alta recorde de preços dos bens alimentares nos mercados mundiais, que incide sobre os produtos que o País mais importa. Estes atingiram em Fevereiro o nível mais elevado dos últimos 21 anos, desde que a FAO os monitoriza. A bolsa das famílias vai, portanto, voltar a ressentir-se. E a pior notícia é que o Banco Mundial estima que a instabilidade e a alta de preços deverão manter-se até 2015.

Segundo o índice mensal daquela organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, os preços subiram em todos os grupos de produtos pelo 8.º mês consecutivo, com excepção do açúcar. E no caso dos cereais o agravamento chega mesmo aos 70% face aos valores registados em Fevereiro do ano passado.

Portugal está "muito vulnerável porque é importador de alimentos em quase todos os sectores", disse a presidente do Observatório dos Mercados Agrícolas e das Importações Agro-Alimentares, Maria Antónia Figueiredo.

"No caso dos cereais, produzimos 25% das nossas necessidades, no trigo produzimos apenas 11%, pelo que qualquer aumento global de preços terá implicações a nível nacional, nomeadamente no pão", exemplificou aquela responsável.

O ex-ministro da Agricultura Armando Sevinate Pinto também coincide no diagnóstico: "Temos uma estrutura importadora dominada pelos cereais e oleaginosas, que são quase 40% e são exactamente os produtos de base que têm sofrido mais aumentos no mercado mundial. Por outro lado, temos uma estrutura produtiva e exportadora que não tem beneficiado da alta de preços internacionais", lembrou o especialista e empresário agrícola.

"O consumo de alimentos representa cerca de 10 mil milhões de euros por ano em Portugal. Caso se registe um aumento dos preços alimentares de base - cereais e oleaginosas - que são logo 40% das importações, arriscamo-nos a perder entre 30 e 50%, ou seja, valores entre os 750 milhões e os 1250 milhões de euros", estimou Sevinate Pinto.

De acordo com dados do INE, Portugal exportou em 2010 cerca de 3,28 mil milhões de euros de produtos alimentares de origem agrícola, tendo importado 6,26 milhões de euros, ou seja, o dobro.

Reagindo aos últimos dados sobre os preços, o ministro da Agricultura, António Serrano, disse que a margem de manobra de Portugal é escassa para combater o agravamento dos preços. "Podemos aumentar a produção em todas as áreas, só que Portugal tem fragilidades do ponto de vista da acção climática e não temos território suficiente para produzir todos os alimentos."

A escalada recorde dos preços, sem sinais de se inverter até ao Verão, torna-se num cocktail explosivo se somado à expectativa de agravamento do preço do petróleo, com impacto significativo nestas matérias-primas. "Novas subidas no preço do petróleo podem agravar ainda mais a situação dos mercados alimentares, que já de si é precária", disse ontem o director da FAO do departamento de mercados, David Hallam.

Já em meados de Fevereiro o presidente do Banco Mundial tinha avisado que os preços dos alimentos estavam a atingir níveis de alerta. Por isso, Robert Zoellick pediu aos principais dirigentes mundiais, na última reunião do G20, para fazerem da alimentação a primeira prioridade em 2011. Na ocasião, o presidente do Banco Mundial lembrou que a continuação da escalada de preços pode provocar instabilidade política a nível mundial.

O clima de agitação política que começou no Egipto e se estendeu por vários países do mundo árabe é apenas um exemplo, se bem que não exclusivo, dos efeitos da alta de preços alimentares junto das populações mais pobres. Recentemente, também na Índia e em Moçambique as populações saíram à rua para protestar contra a subida do custo de vida.

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